02 abril 2023

falando a sério sobre coisas sérias

1.

A minha sorte é poder conversar com pessoas inteligentes. Como a amiga que me explicou o que a Maria João Marques provavelmente queria dizer quando escreveu aquele texto inacreditável de ódio aos afegãos, numa edição do Público da semana passada, a propósito do homem que matou duas mulheres no Centro Ismailita. 

Em termos simples, seria isto: se a Comunicação Social decide aventar explicações para um homicídio, tem de explorar todas as possibilidades. Porque ao fazer questão de só referir algumas hipóteses, e de liminarmente pôr de parte outra hipótese que - como bem sabemos - é uma interrogação na cabeça de muitos de nós, a extrema-direita vai começar a gritar que estão a tentar encobrir o elefante no meio da sala. 

Claro que - digo eu - a questão se resolvia de uma forma muito fácil: perante uma tragédia deste género, em vez de se pôr a encher chouriços com hipóteses no ar, a Comunicação Social limitava-se a informar sobre o que acontecera e o que se sabia sobre o caso até ao momento, entrevistava o porta-voz da polícia que dizia "estamos a investigar em todas as direcções", e passava à notícia seguinte. 

E depois, quando houvesse mais informações, voltava ao tema e entrevistava os especialistas pertinentes para o caso. 


2.

A minha sorte é poder aprender com o sentido de humanidade e justiça de pessoas que se dedicam a trabalhar para o bem dos mais pobres. Como o Gustavo Carona, que no facebook, respondeu com imensa decência àquele texto deplorável e a quantos reagiram àquele homicídio com a exibição de xenofobia contra afegãos.

Partilho o seu texto: 

Quando me perguntam “qual foi o sítio onde eu tive mais medo?”, a resposta é simples: no Porto. “Então não foi na Síria, no Iraque, no Congo ou no Afeganistão?”... não, foi no Porto. O medo é um sentimento que vem por antecipação, que vem do desconhecido, vem da nossa ignorância.
Quando me “calhou” ir em missão para o sul do Afeganistão, para uma região dominada pelos Taliban, o que eu pensei e senti sobre o Afeganistão, foi o mesmo que a maioria das pessoas sente agora: medo. Imaginei que em todos os centímetros daquele país, estavam a cair bombas a toda a hora… porque é isso que vemos nas notícias. E ficamos com uma visão absolutamente errada e enviesada da realidade que representa apenas 0,01%.
E depois de entrarmos, por mais armas, tanques de guerra e checkpoints na estrada que passemos… o medo também passa. Ao entrarmos na história, na cultura, nos costumes, na gastronomia, no artesanato… e claro, nas pessoas, o medo, passa. As pessoas são incríveis. Os afegãos são sensíveis, hospitaleiros, trabalhadores, simpáticos, e com uma caracter e um código de honra que me dá arrepios na espinha.
O homicida afegão, não é mais nem menos culpado por ser afegão. É um homicida. Ponto. Generalizar ou encostar o comportamento dos afegãos aos Taliban, é uma forma de perpetuar, outro crime: xenofobia. Os refugiados afegãos fugiram da guerra, da pobreza, e dos Taliban, e depois são julgados pela ignorância atrevida de quem os confunde, com as razões pelas quais eles deixaram para trás tudo o que lhes é mais sagrado: pátria, cultura, família.
O povo é vítima do extremismo e acusados por “nós” de serem extremistas. É cruel. Em circunstância alguma podemos confundir a liderança política repressora, com o povo reprimido.
Olhem este menino nos olhos, e tenham a coragem de julgar todo o povo afegão! Com 15 anos a família aceitou que ele vendesse o rim, para o Irão, para terem dinheiro para comer. E depois dos rins, vendem os filhos…
O julgamento injusto e generalizado de um povo, vem do nosso medo. E o medo vem da nossa ignorância.
O Afeganistão precisa de mais amor, porque ódio já por aí existe muito.


(Foto: Mads Nissen (Dinamarca), World Press Photo, Herat, Afeganistão.)


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