26 fevereiro 2023

a guerra das flores



Já falei do tanque russo que um par de activistas pôs em frente à embaixada russa em Unter den Linden. Pois bem: Berlim não era Berlim se isto não descaísse para uma história rocambolesca.

No dia 24, quando passei por lá ao fim da tarde, vi o tanque, o cartaz com a nova morada (praça Zelensky, 1), algumas velas e algumas flores.




Ontem, quando passei por lá ao fim da tarde, vi o tanque coberto de flores. Até o camuflado verde do atrelado estava coberto de rosas vermelhas. Imaginei que todos os ucranianos de Berlim tivessem ido lá depositar as suas rosas do São Valentim (não liguem, a Berlinale fez-me perder a noção do tempo), tirei umas fotografias e fui para casa. Senti alguma estranheza por haver tantas flores iguais, mas não pensei mais no assunto.









Hoje estava um dia lindíssimo, e resolvi fotografar o tanque com luz do sol, em vez da escuridão das vezes anteriores. Quando lá chegámos, vimos todas as flores no chão, espezinhadas. No lugar delas, havia agora no tanque cartazes com imagens de prédios ucranianos a ser bombardeados.




Sempre que alguém punha flores no tanque, vinha outra pessoa atirá-las para o chão. As únicas que não destruíram foram umas em amarelo e lilás - o mais próximo possível das cores da bandeira da Ucrânia.

De repente, mesmo à minha frente, um homem pousa tulipas vermelhas e amarelas, outro tira-as, o primeiro grita-lhe "não toques nas minhas flores!" e pega-se à pancada com ele. Eu queria fugir para bem longe dali, mas tinha o caminho impedido por um homem que estava a filmar com uma mão enquanto segurava uma criança de uns 4 ou 5 anos com a outra. [ Está tudo maluco? Dois homens à pancada a dois metros de distância do teu filhinho, outros a entrar ao barulho, e a primeira coisa que te ocorre é filmar em vez de proteger o miúdo?! ]

Por sorte, num par de segundos apareceram vários polícias de choque e separaram-nos.

E foi então que entendi tudo: a comunidade russa de Berlim (os que vêem televisão russa e andam com o cérebro lavadíssimo pela propaganda do Putin) decidiu transformar a humilhação em força. Ao longo do dia 25, cobriram o tanque e o atrelado de flores, como homenagem aos soldados russos mortos nestas "operações especiais". Até que os ucranianos perceberam o que estava ali a acontecer e arrancaram tudo.

E de repente instala-se o conflito no coração de Berlim. Começo a ansiar pelo momento em que tirarão dali aquele tanque.


2 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Quer dizer, face a uma atitude pacífica e democrática, como foi a de colocar flores num tanque parecido com os mesmos que libertaram Berlim em 1945 e após uma atitude de vândalos belicistas, que destruíram as flores (destruir flores?!?), você acha que o tanque é que deve sair. Cheira-me que quem tem o cérebro lavado por propaganda não será quem refere. Olhe, a propósito, como residente na Alemanha, já assinou isto? Se não o fez, devia, se voltar a censurar o meu comentário é menos um leitor que tem. https://www.helsinkitimes.fi/world-int/23034-over-600-000-germans-sign-petition-to-end-heavy-weapons-delivery-to-ukraine-as-10-000-demonstrate-in-berlin-for-peace.html

Helena Araújo disse...

Quer dizer exactamente o quê, Lúcio Ferro?

Quer dizer que concorda com o acto de transformar um símbolo contra a invasão da Ucrânia num símbolo a favor da invasão da Ucrânia?
Quer dizer que um tanque, só por ser semelhante aos que libertaram Berlim em 1945, é forçosamente "bom"?
E acha mesmo que não se deve dar armas aos ucranianos para resistirem à invasão russa? Os ucranianos devem render-se, é isso?
Explique lá melhor o que pensa sobre a invasão da Ucrânia.

Já agora: em sua opinião, quem deve pagar a reconstrução das cidades ucranianas que as bombas russas andam a destruir deliberadamente?