A newsletter do Tagesspiegel, diário berlinense (aqui, em alemão), começava ontem assim, referindo-se ao que aconteceu em Berlim na passagem de ano:
" Pistola de aviso em frente à cara" / "Ferimento ocular por gás pimenta e força bruta contra um bombeiro" / "Caixas de cerveja e extintores atirados aos veículos" / "Fogo pirotécnico direccionado contra os bombeiros durante operações de combate a incêndios" / "Obstrução de operações por barricadas" / "Saque de veículos de emergência por pessoas encapuçadas" / "Danos graves a vários veículos por pirotecnia" / "15 bombeiros feridos, um deles hospitalizado". 1717 operações foram registadas pelos bombeiros (749 incêndios, 825 operações de salvamento) - 691 mais do que no ano anterior. A polícia reporta uma situação semelhante, com 18 agentes feridos. Em Gropiusstadt, vários carros de patrulha foram alvejados com foguetes de pirotecnia, um oficial sofreu queimaduras graves. Em Sonnenallee, um autocarro ardeu, em Kiefholzstraße vários homens atiraram foguetes a uma família e feriram uma criança de três anos na perna e na orelha. Em Lichtenrade, homens encapuzados atacaram bombeiros com barras de aço e material pirotécnico, em Kreuzberg e Wedding houve barricadas incendiadas. Um agitador atirou um extintor de incêndio para o pára-brisas de uma ambulância em movimento, outros atraíram os bombeiros para emboscadas e pilharam-nos. Caves, varandas, apartamentos queimados, médicos tiveram de amputar dedos e mãos, várias pessoas sofreram lesões oculares graves, muitas crianças também foram afectadas. A lista é longa. Cinco mulheres e 98 homens foram presos. "
Em Berlim (e noutras cidades alemãs) houve algumas centenas de pessoas que se entregaram a uma orgia de violência contra - pasme-se! - bombeiros que queriam apagar incêndios em casas. Quanto pior, melhor?
Claro que é o tema do momento na Alemanha. Há quem peça para proibir que qualquer pessoa possa lançar materiais pirotécnicos na passagem de ano (sindicato da polícia), há quem argumente que isso é castigar os muitos milhões que o fazem de forma responsável por causa de algumas centenas de agitadores. Um especialista em direito penal diz que não adianta tornar as penas mais pesadas, porque não é isso que demove as pessoas de cometer esse tipo de crimes. Perguntam-se o que pode levar alguém a actos desta brutalidade - e logo contra o que há de melhor na sociedade, o socorro a pessoas que estão em apuros - e fala-se, com muita preocupação, sobre o tecido social que já foi mais coeso e agora se está a rasgar.
Nos órgãos de comunicação social sérios não se identificam os culpados. O máximo que dizem é que são jovens, e terão sofrido ainda mais que outros grupos devido às restrições da pandemia. Já o Bild, só lhe falta lançar ele próprio foguetes. Parece que estão radiantes por poderem dizer que muitos deles são estrangeiros, ou filhos de estrangeiros. E insistem, querem que os outros órgãos de comunicação social digam tudo.
Não, não digam tudo, peço eu. Fiquem é muito caladinhos, e identifiquem o problema em vez de arranjarem uma minoria contra quem dirigir o ódio e a desconfiança. É que eu sou estrangeira, e tenho dois filhos a viver neste país. Sabe-se lá as voltas que o ódio pode dar...
---
No dia 31 estive em Kreuzberg ao princípio da tarde. Ouvia constantemente petardos. Pensei nos refugiados ucranianos que aqui vivem. Como se terão sentido nesta passagem de ano?
---
Na minha rua, foi uma festa. Para mal dos cães que aqui vivem - inclusivamente o pobrezinho do Fox, que preferia deixar rebentar a bexiga a ir à rua aliviar-se - foi uma festa. Um dos nossos vizinhos abasteceu-se à grande, os miúdos da vizinhança estiveram mais de uma hora a mandar alegremente foguetes na rua em frente à casa dele. E nem sequer foi o mais excessivo: outro vizinho gastou 600 euros em material pirotécnico.
Isto, numa rua com pelo menos duas casas onde vivem vários refugiados ucranianos, e onde há vários cães, todos eles assustadíssimos.
Claro que a festa desses vizinhos estraga a festa dos traumatizados pela guerra e atormenta imenso os animais da zona - os domésticos como os selvagens. É complicado gerir os traumas e os medos de uns e o prazer de outros. De facto, o prazer de uns é uma brutalidade e uma violência para os outros. E um risco, também: muitas casas se incendeiam nesta noite.
Mas como é uma tradição alemã, fica mal criticar os vizinhos. Excepto se forem estrangeiros, claro.
Sem comentários:
Enviar um comentário