20 julho 2022

"A nossa geração era tolerante. E nós não sabíamos."

Sobre um texto que tem sido muito partilhado nas redes sociais, e que partilho no final deste post, queria dizer o seguinte:

A afirmação "A nossa geração era tolerante. E nós não sabíamos." é auto-indulgência, pura e dura.
"Não nos importávamos com nada e, na verdade, éramos muito felizes com Elton John, Freddy Mercury, George Michael e tantos outros."
Interessante era perguntar a Elton John, Freddy Mercury, George Michael e tantos outros se eram muito felizes connosco. E o que sentiam quando "uma piada vinha à tona".
Também podem perguntar o mesmo a alguns jogadores de futebol deste nosso tempo, que até se casam com mulheres para esconder a sua homossexualidade. Muitas "piadas vêm à tona" a propósito dessa realidade. Eles devem adorar...
Quanto à formulação "agora inventaram tantos géneros", lembra-me uma passagem no documentário "Bones of Contention", de Andrea Weiss. Particularmente uma conversa entre uma lésbica e um homossexual, trocando ideias sobre o que é mais doloroso: a perseguição, a prisão, a tortura e os choques eléctricos para curar a homossexualidade (o que o regime franquista fazia aos homens) ou a condição de inexistência absoluta (reservada às lésbicas - que "não existiam"). A mulher dizia que mais doloroso ainda que choques eléctricos nos genitais, é ser absolutamente ignorado pela sociedade.
Parece-nos impossível, não é? Mas ela sabe muito bem o que está a dizer, ao passo que eu não faço a menor ideia do que será sentir-me diferente dos outros, e todos fazerem questão de não ver a minha realidade.
O texto que deu origem a este comentário: "A nossa geração era tolerante. E nós não sabíamos. Agora inventaram tantos géneros que, de alguma forma, provocam o oposto de aceitação. Eu sou da geração que ouvia e amava David Bowie e Lou Reed, e nunca tivemos o problema das suas preferências sexuais. Não nos importávamos com nada e, na verdade, éramos muito felizes com Elton John, Freddy Mercury, George Michael e tantos outros. Nós também somos a geração que amava Led Zeppelin, Deep Purple, Neil Young, Eagles... sem questionar os contextos que hoje seriam considerados machistas. Quando Boy George chegou, não nos perguntámos se ele gostava de homens, da mulheres ou de ambos. Nós apenas gostávamos da música dele. E quando Jimmy Somerville nos contou sua história quando ele era um garoto da aldeia, nós aceitámos e cantámos com ele. E não havia leis que nos obrigassem a apoiar ou a ter de participar. Nós apenas apreciávamos a sua arte e como eles eram magníficos, são ou serão. Não havia comissões ameaçadoras ou guardiões cuidadosos para nos censurar se uma piada viesse à tona. Eu só gostaria de perceber o que é que aconteceu durante este tempo, porque todos esses censores actuais têm o único efeito de criar o que censuram. Na minha opinião, avançamos mais sem impor, porque as imposições, muitas vezes levam ao efeito oposto. "
Lua Lau





2 comentários:

jj.amarante disse...

Acho estranho este bocadinho do seu texto ""A mulher dizia que mais doloroso ainda que choques eléctricos nos genitais, é ser absolutamente ignorado pela sociedade.
Parece-nos impossível, não é? Mas ela sabe muito bem o que está a dizer, ao passo que eu não faço a menor ideia do que será sentir-me diferente dos outros, e todos fazerem questão de não ver a minha realidade.":
1) como é que ela sabe muito bem o que está a dizer se não foi sujeita aos choques eléctricos nos genitais, tratamento que era reservado aos homens?
2) existe imensa gente excêntrica sentindo-se diferente dos outros sem os outros
conseguirem ver a sua realidade, na realidade há aqui mais uma questão de grau de diferença do que algo de essencial

Helena Araújo disse...

Ela sabia muito bem do que estava a falar quando fala do sofrimento de viver numa sociedade que faz questão de ignorar a sua realidade. Parece-me que a imagem "dói mais que choques nos genitais" tem o poder de nos alertar para o sofrimento que provocamos quando decidimos previamente o que pode e não pode existir no espaço público.
Quanto ao ponto 2: acha que ser homossexual é uma excentricidade não essencial?