A trabalhar numa tradução, deparei-me com isto:
O sionista Ben Hecht teve a ideia de publicar um enorme anúncio no New York Times, com o objectivo de chocar, despertar consciências, e pôr os judeus dos EUA a pressionar para salvar aquelas pessoas:
(Dúvida da tradutora: "a peça", ou "cada um"? Escrever "peça" lembra-nos do léxico da escravatura, onde se contabilizava os capturados como "peças".)
Os EUA hesitaram, Por fim, a Alemanha acabou por convencer a ainda aliada Roménia a desistir desse projecto.
Agora trocamos "judeus" por "africanos em barcos, no Mediterrâneo", e são os mesmos argumentos: não estamos preparados para enfrentar o problema da pobreza, da guerra e do aquecimento climático em África em toda a sua dimensão. Eles que vão morrer longe, já temos problemas que chegue...
Agora reparamos na parte do texto relativa aos palestinianos. "Atenção, Humanidade! Os árabes palestinianos não vão ser incomodados com a chegada de 70.000 judeus. Os únicos árabes que vão ficar incomodados são os líderes árabes que estão em Berlim, e os seus espiões na Palestina." (Leio "os seus espiões na Palestina" e lembro-me do cartaz russo recente a "informar" que na Suécia há muitos nazis.) Momento de silêncio pelos palestinianos, apanhados no turbilhão da uma tragédia na qual não tinham a menor culpa.
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Agora lembramos os nazis assassinos de secretária, os que tomavam decisões e assinavam papéis, os burocratas que se limitavam a cumprir ordens que tinham como consequência a morte de milhares de pessoas. E comparamo-los com os personagens desta história na América livre e rica, que encolheram os ombros à tragédia de setenta mil seres humanos. Agora tentamos descobrir as diferenças de fundo entre uns e outros. Mais silêncio.
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E agora pensamos em nós.
Sempre que há notícias de algum barco de refugiados parado num porto, e Portugal oferece-se para acolher alguns deles, tenho um sobressalto feliz: afinal é possível fazer melhor.
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