A ler um livro, tropeço no momento em que, durante a segunda guerra mundial, a personagem principal, uma mulher da primeira leva do Women's Army Corps, dá consigo a desejar ser russa. Porque as russas podem ir lutar para a frente enquanto as do WAC são mais para fazer bonito. Na frase seguinte, fala-se da franco-atiradora Ljudmila Michailowna Pawlitschenko. Esta era ucraniana.
Mas a americana queria ser "russa".
O autor do livro escreveu isto sem reparar. E se Putin não tivesse invadido a Ucrânia, eu também não reparava. Mas a invasão despertou a minha atenção para estes detalhes.
A URSS esbateu as fronteiras dos países e criou os soviéticos. Quando terminou, os antigos soviéticos foram automaticamente confundidos com os russos. Parajanov: russo. Gogol: russo. Khatchaturian: russo. Ljudmila Michailowna Pawlitschenko: russa. Kasparov: russo.
(Basta pensar no modo como a Espanha se apropriou do "nosso" Saramago para perceber como esses povos se devem sentir.)
Também comecei a olhar mais cuidadosamente para a acusação de os ucranianos serem ferozmente nacionalistas, e de estarem a perseguir a minoria russa, impondo-lhes a sua língua.
Lembrou-me o que ouvi em tempos sobre a "arrogância" da Catalunha, por querer impor o catalão no quotidiano, e que, talicoisa, coitadinhos dos castelhanos que lá viviam.
A Europa está cheia de casos de línguas que foram violentamente reprimidas. E os povos têm todo o direito de quererem salvar o seu idioma.
Pergunto-me quanto do "nacionalismo exacerbado" de que acusam a Ucrânia são factos assim fáceis de explicar.
3 comentários:
Helena Araújo:
Uma bela análise que me traz algum sossego perante o turbilhão de sentimentos que nos provoca a guerra da Ucrânia. Será que posso partilhar no meu grupo privado do Facebook? Obrigado.
Com certeza que pode partilhar no facebook.
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