06 junho 2022

nacionalismos exacerbados...

 

A ler um livro, tropeço no momento em que, durante a segunda guerra mundial, a personagem principal, uma mulher da primeira leva do Women's Army Corps, dá consigo a desejar ser russa. Porque as russas podem ir lutar para a frente enquanto as do WAC são mais para fazer bonito. Na frase seguinte, fala-se da franco-atiradora Ljudmila Michailowna Pawlitschenko. Esta era ucraniana.
Mas a americana queria ser "russa".
O autor do livro escreveu isto sem reparar. E se Putin não tivesse invadido a Ucrânia, eu também não reparava. Mas a invasão despertou a minha atenção para estes detalhes. A URSS esbateu as fronteiras dos países e criou os soviéticos. Quando terminou, os antigos soviéticos foram automaticamente confundidos com os russos. Parajanov: russo. Gogol: russo. Khatchaturian: russo. Ljudmila Michailowna Pawlitschenko: russa. Kasparov: russo. (Basta pensar no modo como a Espanha se apropriou do "nosso" Saramago para perceber como esses povos se devem sentir.)

Também comecei a olhar mais cuidadosamente para a acusação de os ucranianos serem ferozmente nacionalistas, e de estarem a perseguir a minoria russa, impondo-lhes a sua língua. Lembrou-me o que ouvi em tempos sobre a "arrogância" da Catalunha, por querer impor o catalão no quotidiano, e que, talicoisa, coitadinhos dos castelhanos que lá viviam.
A Europa está cheia de casos de línguas que foram violentamente reprimidas. E os povos têm todo o direito de quererem salvar o seu idioma.

Pergunto-me quanto do "nacionalismo exacerbado" de que acusam a Ucrânia são factos assim fáceis de explicar.








3 comentários:

Petrus Monte Real disse...

Helena Araújo:

Uma bela análise que me traz algum sossego perante o turbilhão de sentimentos que nos provoca a guerra da Ucrânia. Será que posso partilhar no meu grupo privado do Facebook? Obrigado.

Helena Araújo disse...

Com certeza que pode partilhar no facebook.

Helena Araújo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.