18 junho 2022

»Etiam si omnes – ego non!«

Joachim Fest nasceu em 1926 em Berlim. O pai era director de uma escola, mas perdeu o emprego - inclusivamente a autorização para ensinar em casa - por se ter recusado a ir com o seu tempo. Nomeadamente por ter recusado inscrever-se no partido nazi. Aos filhos explicou a sua atitude com uma frase fundamental, tirada do Evangelho de Mateus: »Etiam si omnes – ego non!« ("e mesmo que todos - eu não"). É essa frase que dá o nome à autobiografia de Joachim Fest: Ich nicht (eu não). Fest virá a ser um historiador muito importante na Alemanha, com vários trabalhos sobre o período nazi. Na sua autobiografia fala do ressentimento do pai em relação à maneira humilhante como a assinatura do tratado de Versalhes foi encenada: os representantes da Alemanha obrigados a entrar pela porta das traseiras, e a ver a imagem da sua derrota na sala dos espelhos. A humilhação de que o movimento nazi se viria a servir com gosto. A posição da família e dos seus amigos era muito crítica em relação à ascensão de Hitler ao poder (“Hitler mente tanto, que quase somos levados a pensar que até o contrário do que ele diz é mentira!”, comentavam eles – e eu, ao ler, a lembrar-me de um famoso político do nosso tempo ao qual esta frase se aplica). O filho Joachim é tão inteligente quanto rebelde e determinado. Num belo dia de 1941 grava com o seu canivete uma caricatura de Hitler no banco da escola. A primeira pessoa a ver a obra de arte é um amigo seu, que fica alarmado e tenta febrilmente apagar os traços, impondo o silêncio a todos os colegas que vão entrando na sala. Mas haverá um que entende ser seu dever denunciar - e Joachim Fest é expulso da escola, juntamente com os seus irmãos. Naquele tempo era muito habitual que toda a família arcasse com as mais pesadas consequências da escolha pessoal de um dos seus membros.

Tanto nesta autobiografia como noutras que li, de vidas atravessadas pelo período nazi naquele período do século XX, encontro o mesmo elemento perturbador: não se entende como é que o horror consegue instalar-se com tanta facilidade na sociedade. As pessoas assistem atónitas, sem conseguirem acreditar naquilo que acontece à sua frente. Os judeus, por exemplo: apesar das regras antisemitas que os vão encurralando cada vez mais, não acreditam que as coisas possam piorar, e argumentam: "afinal de contas, vivemos numa sociedade civilizada". O próprio pai de Joachim Fest ouve uns rumores sobre os campos de extermínio no Leste, mas tem dúvidas. "Afinal de contas, vivemos numa sociedade civilizada"...
Já os povos ciganos, esses, não teriam qualquer motivo para se deixarem iludir por aparências.

Agora dou um salto de oitenta anos e pergunto: temos a certeza que as sociedade europeias são civilizadas? O que dizer do modo como os países europeus estão a tratar os povos ciganos, os refugiados da Síria ou os africanos que tentam chegar à Europa?
Naquela época como hoje, há uma diferença grande entre o "ser" e o "pensar ser".

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