03 fevereiro 2022

o que aí vem

 

Encontrei em "Uma Página Numa Rede Social" esta excelente síntese do que está a acontecer na Democracia portuguesa:
Em 2019, quando o proto-fascista foi eleito para o Parlamento, declarámos aqui na Página que passaríamos a dedicar especial atenção ao fenómeno da extrema-direita em Portugal.
Em 2022, agora que o proto-fascista leva mais 11 iguais ou piores que ele para a sua bancada parlamentar, renovamos esse compromisso.
Em quatro pontos rápidos, explicamos o motivo desta atenção especial e porque estamos atentos ao que aí vem:
1 - Na área da Ciência Política, um dos temas mais investigados na actualidade é um processo chamado "Democratic Backsliding", que se traduz na literatura em português como "Erosão Democrática" ou "Retrocesso Democrático" (varia dependendo do autor, mas o conceito é fundamentalmente o mesmo).
De forma muito resumida, consiste no processo em que partidos extremistas e/ou populistas vão maliciosamente desmantelando instituições democráticas, de forma a limitarem a fiscalização política e constitucional e garantirem a sua permanência no poder.
O Chega representa isso em Portugal. É a isso que eles vêm.
2 - Há imensas pessoas que dizem que o Chega não é a doença em si, mas sim o sintoma, alegando que a doença são as injustiças e desigualdades que geram descontentamento, repercutindo-se isso depois no voto dos partidos "anti-sistema". Isso é objectivamente falso. E é fácil comprová-lo. Mesmo países com óptimos indicadores sociais e económicos têm partidos de extrema-direita que conseguem o voto de partes substanciais do eleitorado. Além disso, o voto no Chega não é só das tais pessoas descontentes e injustiçadas. Muitos eleitores do Chega são pessoas financeiramente bem estabelecidas e com sucesso profissional. Esses não são abandonados pelo "sistema", são pessoas que beneficiaram precisamente do sistema que lhes deu todos os recursos para terem sucesso na vida, mas agora não querem partilhar o resultado desse sucesso.
Uma parte significativa do eleitorado do Chega vota por ódio, seja ódio ao cigano, ao beneficiário do RSI ou a qualquer outro grupo habitualmente visado pelos proto-fascistas.
Não, nem todas as pessoas que votam Chega são fascistas. Algumas votam porque não são politicamente sofisticadas a ponto de perceberem aquilo em que estão a votar. Mas que ninguém tenha dúvidas de que muitos eleitores do Chega sabem bem ao que vão. Sim, há fascistas em Portugal. E quanto mais depressa assumirmos isso, mais depressa começamos a responder a esse desafio.
3 - Sim, todos os partidos têm problemas internos, histórias mal explicadas e dirigentes envolvidos em casos de justiça, alguns até já condenados em tribunal. Eis uma novidade para quem ainda não reparou: os partidos são feitos de pessoas de carne e osso, com todas as virtudes e defeitos de qualquer cidadão comum.
A diferença entre todos os outros partidos e os proto-fascistas do Chega é que todos os outros respeitam as liberdades democráticas consagradas na Constituição. O Chega, não.
O Chega declarou que quer instaurar uma 4ª república, adoptou o velho lema fascista como lema para estas legislativas - Deus, Pátria e Família, acrescentando "trabalho" a este trio - e o líder do partido repetiu a famosa frase de Salazar, "orgulhosamente sós", durante a campanha.
Não há dúvidas ao que estes indivíduos vêm. Eles odeiam a Democracia e farão o que puderem para desmantelá-la. Trata-se do processo de erosão democrática de que falámos no início deste texto.
4 - E não, Portugal não é hoje uma ditadura nem nada que se pareça, ao contrário do que insiste em dizer um batalhão de comentadores na secção de opinião do Observador.
Aliás, no que diz respeito à qualidade da nossa democracia, Portugal é uma das democracias mais saudáveis do mundo, segundo o V-Dem, o instituto de referência em termos de estudos comparativos nesta área.
Mais: durante os anos da Geringonça, Portugal até subiu na classificação das democracias mais saudáveis do mundo, tendo melhorado em indicadores democráticos e de direitos e liberdades. No ranking de 2019 chegámos mesmo a ocupar o 7º lugar na classificação das melhores democracias do mundo. Caímos alguns lugares em 2021, com as restrições decretadas pelos governos para conter a pandemia a terem um peso significativo neste índice, mas continuamos dentro do top 20, num honroso 18º lugar.
Portanto, para quem estabelece falsas equivalências entre Bloco/PCP e os proto-fascista do Chega, isto é pura e simplesmente absurdo. Pior, é uma forma encapotada de normalizar os proto-fascistas.
Voltando ao início do texto, falemos do que aí vem. Vem um período em que, com o 3º maior grupo parlamentar, a extrema-direita ganhará imensa projecção na comunicação social. Muita gente tentará normalizar um partido de proto-fascistas, criando falsas equivalências com partidos que sempre deram garantias de respeito pela Constituição e pelos valores de liberdade que nela estão inscritos.
Isso é o que aí vem. Falta ver no que isso vai dar.
As pessoas que escrevem nesta página são perfeitamente capazes de se sentarem à mesa com qualquer pessoa de qualquer partido democrático, da direita à esquerda, e conversarem sobre diferentes modelos de sociedade e de economia. Concordaremos numas coisas, discordaremos noutras, mas fá-lo-emos sob o pressuposto de que há respeito mútuo pelas diferenças individuais e pelas divergências de opinião.
Isso não se aplica ao Chega. O Chega não é democrático e não quer conversa nem debate.
O Chega só não impõe as suas medidas pela força porque ainda não tem força para isso. No que depender de nós, nunca terá.
E agora que as caixas de comentários do esgoto do Correio da Manhã se materializaram em 12 deputados e esse circo de horrores se prepara para ocupar 12 lugares no Parlamento, nós cá estaremos para denunciá-los. Sempre.

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