22 dezembro 2021

Médicos sem Fronteiras

 


No âmbito de uma reportagem sobre alterações climáticas e movimentos de refugiados, um casal de amigos nossos, jornalistas de imagem, fizeram filmagens em centros de refugiados em Lesbos. Viram coisas horrorosas: o modo como a polícia grega maltrata os refugiados, a insuficiência do trabalho dos representantes da UNHCR (ele assistiu a casos em que mais valia estarem quietos, sempre estragavam menos do que já estava), a situação de terrível abandono em que aquelas pessoas vivem.

Perguntámos: e não há ninguém que acuda?

A resposta foi imediata: os Médicos sem Fronteiras. Os refugiados daqueles campos sentem que podem confiar nessa organização, e que os seus membros farão os possíveis e os impossíveis para os ajudar.

De modo que há dias, quando estava a conversar com o Joachim sobre as ONGs que queremos apoiar, os MSF foram o primeiro nome que me ocorreu.

Voltando aos nossos amigos jornalistas: foram levados para uma esquadra da polícia de Lesbos, e retidos durante mais de um dia. Como não estavam presos, não tinham os direitos habituais (chamar um advogado, etc.). Mas também não os deixavam sair. Para além da privação da liberdade, intimidaram-nos e humilharam-nos de várias maneiras. Nomeadamente uma revista minuciosa ao corpo nu. Enquanto eles me contavam isto, eu só pensava que se aqueles polícias se sentem à vontade para tratar assim jornalistas alemães, o que não farão eles aos refugiados.

Para os mais curiosos: provavelmente a polícia desconfiava que eles tivessem sido testemunhas de uma operação de "pushback" - manobras perigosas de intimidação de barcos de refugiados para que não entrem em águas europeias. Podia dizer "gregas", mas prefiro dizer "europeias": estamos todos metidos nisto até ao pescoço.
Para os ainda mais curiosos, o fim da história: eles tinham conseguido manter os telemóveis. Quando os polícias saíram da sala onde estavam, enviaram apelos urgentes a algumas ONGs, à organização que encomendara o projecto, e para o facebook. Nunca mais o telefone parou de tocar naquela esquadra. Alguém enviou um advogado que em tempos tivera um consultório importante em Atenas e decidiu ir descansar para Lesbos, mas agora não tem mãos a medir porque todos os refugiados em apuros com a polícia lhe pedem ajuda. Ironias da vida. O telefone a tocar ininterruptamente já lhes foi um grande consolo.
E ao fim de umas horas deixaram-nos finalmente sair. Regressaram à Alemanha profundamente traumatizados e deprimidos. O que me leva de novo à questão anterior: se isto acontece a jornalistas alemães, em que estado estarão os refugiados que ali vegetam à mercê da prepotência de agentes de autoridade de um país da União Europeia?

Não posso mudar tudo. Mas posso contribuir para uma organização que está no terreno, que os ajuda, e - mais ainda - que aquelas pessoas sentem como sendo a ONG que vê em cada uma delas um ser humano único e irrepetível: os Médicos sem Fronteiras.

(A imagem é do site grego dos MSF.)


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