Não conheço a família, mas não me custa imaginar que estejam todos de acordo com esta estratégia de sacrificar os filhos em nome dos seus princípios, e que os miúdos se sintam uns autênticos heróis numa luta que é maior que eles e os eleva para um plano superior da nossa História.
Por sorte estes pais nasceram num contexto que lhes permite combater o poder do Estado - que eles sentem como opressor - sem saírem dos limites legais. Tivessem eles nascido num meio onde a luta pela defesa dos princípios toma outras formas, e não me admiraria que se orgulhassem de serem pais de bombistas suicidas. Uns como os outros: mártires.
Fica como apontamento para um estudo sobre a banalidade do fundamentalismo.
5 comentários:
É, de facto, uma violência que os filhos aprendem que devem acatar as leis da Republica, conduzindo pela direita, não estacionando encima do passeio, atravessando só nas passadeiras para peões, não dando o golpe na fila do autocarro, dando o lugar em que se sentou a pessoas mais fracas, como anciãos, crianças, grávidas. E que deve pagar a horas e a tempos a sua quota-parte nas despesas do condomínio, para que não sejam os outros a suportar os custos que lhe pertencem.
Claro que os pais Famalicão só pagam o condomínio quando são postos em tribunal, deixam o carro encima do passeio quando vão à bica, atirando aquela senhora com um carrinho de bebé para cima do alcatrão, etc. Esses acham uma violência as aulas de cidadania.
Quando Trump chegar e puser as escolas a ensinar a Lei do Mais Forte, vão ver que aos 18 anos os filhos vão-lhes à carteira, roubam as chaves do carro, etc. e, se o paizinho refilar, leva dois berros, se não for dois tabefes na cara.
Não obstante a militância demasiado 'entusiástica' dos progenitores, não deixarão de lamentar os danos causados à educação dos filhos, o que poderá tê-los conduzido a um beco sem saída, já que o tribunal estará impedido de decidir de outra forma.
Convido a uma visita ao Mosaicos em Português, onde afixei um pequeno texto sobre o tema em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/11/o-caos-seria-alternativa.html.
Bom fim-de-semana!
António, copio para aqui o comentário que partilhei no seu blogue:
Não entendi o vínculo que apontou entre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento e a "esquerda radical preocupada com a sobrevivência política de ideias completamente desfasadas da realidade e da prossecução do bem-estar e da estabilidade das populações".
Deixando de fora casos pontuais de professores que dizem disparates nas aulas (haverá com certeza alguns, como sempre houve - lembro-me bem do meu professor de História, nos anos 70 do século passado, a dizer que "as mulheres são animais de cabelos compridos e ideias curtas", ou do professor da escola primária do meu filho, que era de tal maneira machista que nem reparava que tinha meninas na sala, e fazia as aulas apenas para e com os rapazes), quais são os exemplos de ideias da esquerda radical no programa desta disciplina?
Se me está a falar de respeito pela diginidade humana que tem como consequência a defesa da igualdade de género, do respeito por outras orientações sexuais, do respeito por outras religiões e outras culturas, tenho más notícias para si: aquilo a que chama "ideias da esquerda radical" é a base da matriz de valores da Comunidade Europeia.
Se houver algum professor que extravasse as suas funções, corrija-se o professor em vez de tentar proibir uma disciplina que tem um papel fundamental na construção de uma comunidade coesa e na qual todos se sentem respeitados.
Repare ainda que esta disciplina vai ter um papel fundamental no futuro, uma vez que a baixa taxa de natalidade já está a obrigar os países europeus a atrair milhões famílias provenientes de outros continentes e culturas, e que uma disciplina como esta, de carácter obrigatório, é a única maneira de garantir que os novos jovens concidadãos apreendam os valores básicos da nossa comunidade. Se quer aceitar a objecção de consciência de uns, vai ter de aceitar a objecção de consciência de todos. É mesmo isso que quer para o futuro da nossa comunidade?
(E escusa de dizer que é contra a imigração, porque não há volta a dar. Neste momento a economia alemão - essa que conheço melhor - está a ficar estrangulada por falta de trabalhadores. Sem imigrantes, os alemães vão empobrecer.)
Muito obrigado, Helena.
Já lá respondi, esperando ter contribuído para, com destreza, esclarecer as dúvidas que expressou.
Não esclareceu muito - antes as aumentou.
Como diz, não há licenciaturas em "cidadania". Mas há uma comunidade escolar que troca ideias sobre os valores básicos da nossa sociedade que devem ser transmitidos aos alunos, que fornece material e instruções e que, caso necessário, aplica correctivos.
Os pais também não recebem qualquer licenciatura que os prepare para criar os filhos e fazer deles cidadãos saudáveis de corpo e mente. Com uma agravante: têm muito menos controlo por parte da comunidade social que os professores.
Sendo que a lei é igual para todos, a objecção de consciência nos termos deste caso será um direito de todos.
Imaginemos agora as seguintes situações:
- Uma família que pratica a poligamia;
- Uma família que odeia os valores democráticos (por exemplo: neo-nazis);
- Uma família que vive no medo de um pai violento e autoritário;
- Uma família que não aceita que os filhos casem fora da sua etnia;
- Uma família cuja matriz cultural defende que a mulher é inferior ao homem e deve viver em permanente subjugação;
- ...
O António quer realmente que estes pais tenham o direito de dizer que os filhos deles não devem frequentar as aulas de Desenvolvimento e Cidadania, porque entendem que os valores são transmitidos pela família e não pela escola?
Eu não quero.
Num mundo em transformação e diversificação acelerada, a escola é a única instituição que permite à sociedade criar uma vivência de comunidade e convergência no que diz respeito aos nossos valores básicos.
Repito: se um professor proceder mal, corrija-se esse professor - mas não deitem fora o bebé com a água do banho.
Voltando ao exemplo que melhor conheço: a Alemanha experimentou essa via, e arrependeu-se amargamente - como mostra um discurso de Angela Merkel em 2010 sobre "multikulti".
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