19 outubro 2021

Gleis 17 - 80 anos





Fez ontem oitenta anos que saiu de Berlim o primeiro comboio de deportação de judeus: 18 de Outubro de 1941, mil duzentos e cinquenta e um seres humanos com destino a Lodz. As primeiras vítimas de um total de mais de 35.000 berlinenses que o regime nazi arrancou às suas casas para enviar para as máquinas da morte.

Nem todos saíram de Grunewald. De facto, a maior parte dos judeus de Berlim foram levados da estação de mercadorias de Moabit. Desse vasto espaço resta agora um pequeno memorial entalado entre parques de estacionamento de grandes superfícies comerciais. Uma iniciativa de cidadãos está a tentar aumentar a dimensão e a forma do memorial.

Um dos voluntários desse projecto contou que há tempos se cruzou naquele local com uma velhinha que andava a passear o cão, e ela lhe disse que sabia bem o que ali aconteceu, porque em criança ouvia os gritos dos judeus.

Também foram levados do Anhalter Bahnhof cerca de 10.000 judeus. Eram os mais velhos, a quem o regime nazi vendia (isso mesmo: vendia) estadias em centros de repouso na Boémia. Eles pagavam, convencidos que iriam para um lugar menos mau que os campos sobre os quais se ouviam tenebrosos rumores - e ao chegar a Theresienstadt, ao verem as barracas onde iam ser metidos, apercebiam-se do logro.

O presidente da República alemão esteve ontem no Gleis 17, em Grunewald, e fez o discurso habitual destes momentos. "Nunca mais deve sair um comboio do Gleis 17. Nunca mais com destino a Theresienstadt, nunca mais para o ghetto de Lodz, nunca mais com destino a Auschwitz."

O discurso soube-me a uma confortável banalidade. "Nunca mais sairão daqui comboios para Auschwitz" - sim, é muito improvável que alguma vez voltem a partir da Alemanha comboios com pessoas levadas em carruagens de gado, com destino a câmaras de gás.

Tivesse ele dito "Nunca mais deixaremos que seres humanos sejam tratados como sub-humanos", e o caso mudava de figura. Porque o nosso olhar deixaria de repousar na segurança de uma Auschwitz transformada em museu (e portanto, remetida para um passado que não regressa), e seria obrigado a ver também os barcos no Mediterrâneo, a ver os campos de refugiados em Moria e na Turquia onde - pagos com dinheiro da União Europeia - tantos seres humanos vivem em condições que nem para animais são aceitáveis.











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