03 maio 2021

nova táctica na Alemanha: tudo a monte e fé em Deus

A obstinação em fazer tudo de forma extremamente correcta, sem furar prioridades nem cometer o menor desrespeito pelas regras, é um dos motivos para o baixo ritmo de vacinação que se verificou na Alemanha até há pouco tempo. Outro motivo é a mudança permanente de regras: de momento, ninguém sabe se deve ficar pacatamente à espera de uma carta, ou se deve começar a telefonar para tudo o que é consultório médico. Por estes dias, tenho ouvido dizer que é aconselhável tomar a iniciativa de perguntar ao médico, e soube até de alguém que conseguiu a vacina praticamente por acaso na ginecologista. Imagina-se a confusão que irá nos consultórios, se todas as pessoas começarem a telefonar para todos os médicos com quem falaram alguma vez no passado. O resultado também é fácil de imaginar: uma amiga minha ligou à sua médica e levou com uma gravação no atendedor de chamadas dizendo que não se atendem chamadas para falar sobre a vacina, e que os doentes serão contactados quando chegar a vez deles.

Em suma: um belo caos. E se isto já é complicado para qualquer cidadão, torna-se um sarilho enorme para grupos sociais de menores rendimentos, particularmente os imigrantes que mal falam alemão. 

Hoje, uma das notícias mais importantes do dia na Alemanha referia-se a Colónia. Nos bairros mais pobres desta cidade - cujos habitantes vivem em espaços exíguos e densamente ocupados, e trabalham em condições que implicam um risco maior de contágio - a taxa de incidência de covid é cerca de oito vezes superior à dos bairros mais ricos. Para corrigir este desequilíbrio, os responsáveis decidiram levar a vacina às pessoas das regiões mais afectadas da cidade. Mal correu a notícia de que em determinados locais haveria unidades móveis de vacinação para todos os interessados, formaram-se filas de pessoas que esperaram várias horas até receber a sua vacina Moderna.  

Como é que não nos lembrámos mais cedo desta solução? É óbvio que para reduzir o número de contágios há que vacinar primeiro as pessoas que vivem e trabalham em condições mais favoráveis à difusão do vírus. 

(Espero que esteja aí alguém a anotar isto tudo, para que na próxima pandemia já se possa planear mais à antiga maneira alemã.) 


2 comentários:

jj.amarante disse...

Por cá a vacinação tem corrido bastante bem com excepção de cerca de um incidente por dia num dos muitos centros de vacinação do país que costuma ser sempre destacado no noticiário à hora do jantar. Lá de longe em longe entrevistavam pessoas à saída dos centros de vacinação mas cansaram-se de ouvir dizer que estava tudo bem organizado. E fiz um post sobre o alegado falhanço da vacinação na Europa: https://imagenscomtexto.blogspot.com/2021/04/o-falhanco-das-vacinas-na-europa-qual.html

Helena Araújo disse...

Durante muitas semanas Portugal fez melhor figura que a Alemanha. Desde logo com o primeiro sms enviado a todos, informando que ia começar o processo, que a vacina era gratuita e voluntária, e que a pessoa seria chamada quando chegasse a sua vez, enquanto na Alemanha os idosos passaram dias e dias ao telefone em filas de espera para serem atendidos no número que o governo criou para dar informações. Ou a corrida à vacina a que se está a assistir agora, com tantos a telefonar para todos os consultórios médicos por onde já passaram. O envolvimento de políticos do CDU/CSU em negócios obscuros ligados à pandemia também não contribui para aumentar a confiança (comentário que uma amiga minha ouviu na farmácia: "se o marido do ministro da Saúde estivesse ligado ao negócio das vacinas em vez do das máscaras, já todos os alemães estavam vacinados").
Quanto à UE: em Fevereiro deste ano, a própria Ursula von der Leyen reconheceu no Parlamento Europeu que foram cometidos erros graves. "Atrasámo-nos na autorização, fomos demasiado optimistas no que diz respeito à produção em massa, e talvez tenhamos confiado demasiado nos prazos de fornecimento das encomendas que fizemos". Sobre a demora na autorização não digo nada, porque é no meu próprio interesse que só se avance com a vacina quando a sua segurança estiver devidamente assegurada. Mas critico a leviandade daquele "optimismo" e critico a falta de transparência que é estrondosamente revelada na forma como os contratos celebrados são apresentados aos deputados do Parlamento Europeu: com inúmeras passagens tornadas ilegíveis.