Querido diário,
Hoje vamos à Baviera buscar a nossa, digamos assim, estratégia de sobrevivência em tempos de covid: uma carripana simpática, com cozinha e cama e tudo, para ir passar fins-de-semana no mar báltico, ou num lago qualquer das redondezas. Assim o permitam as regras dos parques de campismo!
Regressaremos no domingo, 25 de Abril: a atravessar a Alemanha numa carripaninha vermelha. Uma espécie de liberdade.
De madrugada, levei o Joachim ao trabalho, e depois fui ao Lidl comprar uma louça de plástico para a nossa casinha sobre rodas. As cores são engraçadas, mas a qualidade, enfim... Comprei na mesma, porque já se sabe: no Lidl, pode-se devolver depois, mas comprar é mesmo só nas primeiras horas em que as ofertas especiais aparecem na loja. Depois veremos com calma, mas suspeito que já sei o que o Joachim vai dizer: é preferível comprar pouco, com mais qualidade e mais duradouro. Já me vejo a ir ao Lidl devolver isto tudo na próxima segunda-feira, e tanto melhor: sempre caminho umas boas milhas a pé, o que só me faz bem.
Do Lidl continuei para o Aldi, para comprar terra. Hoje estavam a oferecer uma terra superior-premium-de luxe-etc. ao preço da chuva. Carreguei dez sacos no carrinho. Ao passar por outra pilha, onde tinha uma terra diferente que anunciava "com pouca turfa", tive um sobressalto. E se...? Li a composição, e sim: tinha turfa. Devolvi os 10 sacos à pilha que nem sequer devia existir. Se sabemos que as áreas de turfa têm um papel fundamental na protecção do clima, porque é que ainda é permitido destruí-las para fazer terra superior-premium vendida em sacos para os jardins urbanos?
Enquanto esperava pela minha vez na caixa reparei no Bildzeitung que tinham à venda. A primeira página provocou-me uma fúria enorme. Normalmente não me irrito tanto com os jornais, mas esta edição do Bild é inacreditável. Estando nós em plena terceira vaga, com os trabalhadores da saúde absolutamente exaustos (muitos deles só não metem baixa porque sabem que isso iria sobrecarregar ainda mais os colegas) e a capacidade hospitalar a chegar a níveis de ocupação muito preocupantes, e tendo o governo federal finalmente tomado uma posição para haver mais uniformidade de regras em todo o país, este jornal faz parangonas assim:
DECIDIDO!
Merkel: Lei do Encarceramento
A partir de que horas não pode sair de casa - Como é que a polícia controla - Quais são as excepções
Einsperrgesetz (lei do encarceramento): a palavra nem existe no dicionário alemão. Inventaram-na agora, e é um instrumento descaradíssimo de manipulação das emoções do povo. Agarrem-me, que me dá vontade de sugerir coisas más, e avessas à ordem de um Estado de Direito, para que quem criou, quem divulga e quem usa esta expressão. Fui a casa de uns amigos levar um bolo de laranja que fiz ontem. Aquilo não é bem um bolo de laranja, é mais um haraquiri gigantesco na minha fama de doceira (que naquela família até era boa, porque só lhes tenho levado o bolo de chocolate que praticamente se faz sozinho e não tem por onde errar). Desta vez, não é caso para dizer que o bolo cresceu pouco. É muito pior: a massa conseguiu ficar mais baixa do que estava quando a meti no forno. Se houvesse um prémio igNobel para doçaria, não sei se o ganhava, mas conseguia provavelmente uma honrosa nomeação todos os anos. Eles riram-se, e prometeram que se o sabor estiver bom me dão uma segunda oportunidade.
Vim para casa. Passei por uma vizinha que andava a passear o cão e parei para um minutinho de conversa. Ultimamente, o tema é só um: já tens a vacina? quando vai ser? Ela disse-me que infelizmente é demasiado nova, ainda não tem. Já tentou tudo, mas sem sorte. Ontem lembrou-se de pedir prioridade por estar a tratar de uma pessoa de idade. Tem esperança que isso seja considerado um bom motivo para lhe dar já a vacina. Disse-lhe que dentro de dois meses estaremos todos vacinados, e ela respondeu com zanga que dois meses é demasiado tempo. Está rodeada de pessoas que não se querem vacinar, sente-se extremamente insegura. Já há pessoas a ir a outros países só para comprar vacina. Turismo-covid.
Segui para casa a toda a velocidade, porque eram horas de ir propor o tema do dia na Enciclopédia Ilustrada. Hoje a palavra devia começar por U, e é o Dia da Terra. Estive tentada a sugerir #único_planeta.
Dia da Terra: se não conseguimos ter um comportamento responsável e solidário para combater um vírus que vimos a dizimar os idosos e vemos agora a matar pessoas bem mais jovens (idade média nos cuidados intensivos, neste momento: 47 anos), como conseguiremos unir esforços e aceitar fazer sacrifícios para salvar o único planeta que temos?
Triste vida: ainda nem sequer é meio-dia, e já me aviei com meia dúzia de problemas existenciais...
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