25 fevereiro 2021

testemunha de um outro tempo



Tenho andado a ver uma série alemã sobre o hospital universitário de Berlim, o Charité. A primeira temporada foi sobre a época do Robert Koch, a segunda foi sobre o período nazi (pesadíssima - por exemplo: pediatras a chamar "desperdício do Reich" a crianças com problemas graves de saúde) , e a terceira passa-se na época da construção do muro (este hospital está mesmo junto à antiga fronteira, do lado leste). Nela aparece um miúdo de Berlim Ocidental com poliomielite. Os médicos de Berlim Leste falam sobre um surto de poliomielite nos outros sectores da cidade, e resmungam contra as manias dos ocidentais, que podiam evitar aquela desgraça vacinando todos os miúdos, como já é obrigatório na RDA. Pouco depois, devido ao agravamento do estado do miúdo, vão ao depósito buscar um pulmão de aço que já nem sabiam se ainda funcionava.

Esse pormenor - já nem saberem se aquela máquina ainda funcionava - lembrou-me com carácter de epifania a diferença entre um mundo com vacinas e um mundo onde vivemos permanentemente sob a espada de Dâmocles de doenças contagiosas horrorosas.

No filme que partilho fala-se do medo dos pais quando houve um surto de poliemielite, durante a infância de Paul Alexander. As crianças foram proibidas de sair, de brincar com outras, de ir à escola. Ou seja: isto que estamos a viver hoje afinal não é novo. Gerações anteriores de crianças passaram provavelmente por momentos semelhantes.

A vacina contra a poliemielite (e tantas outras) tornaram esses medos e estas máquinas obsoletos.
A velocidade com que a nossa mentalidade mudou é fascinante: bastou uma geração para aprender a viver livre do medo de apanhar certas doenças doenças contagiosas. E também para deixar de ver a morte de crianças como um azar do destino ("isto morre muito..." / "Deus quis chamar mais um anjinho...").


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