No dia em que "ruibarbo" foi a palavra mágica na Enciclopédia Ilustrada lembrei-me de algumas histórias do Kaminer e contei-as de rajada.
(Dica para mim própria: quando quiser escrever um post bastante apreciado naquele grupo, basta-me traduzir uma história qualquer do Kaminer.)
Os Schrebergärten são um elemento importante da vida nas cidades alemãs. Melhor dizendo: toda uma instituição. Pior dizendo: uma seita.
Começaram por ser a resposta ao surgimento de grandes grupos de famintos nas cidades, no início do século XIX: a cada família era entregue um pequeno lote onde podia ter alguma fruta e uma horta. Desse modo, garantia-se um mínimo de alimentação saudável e algumas horas semanais de trabalho ao ar livre.
Entretanto a coisa evoluiu. Em cada lote há uma casinha minúscula (ou não tão pequena) para as pessoas se poderem abrigar quando o tempo está mau, para poderem merendar e até dormir ocasionalmente – embora seja proibido fazer dessas casas residência. O Estado alemão tem um código regulamentador, e cada associação tem regras muito precisas e uma comissão que vela pelo seu cumprimento.
O Wladimir Kaminer, um russo que se tornou um escritor alemão (é em alemão que escreve, e tem muito sucesso neste país), arrendou durante alguns tempos um desses lotes. A coisa correu mal: a comissão expulsou-o daquela associação invocando “vegetação espontânea”. Quando ele conta isto, durante as suas palestras, o público alemão rebenta em gargalhadas: sinal de que todos conhecem bem os tiques dessas comunidades.
O #ruibarbo foi um dos problemas mais dramáticos com que ele se debateu no lote que arrendou.
Como ele conta numa entrevista de rádio:
“Antes de me mudar para cá, não sabia qual era o sabor do ruibarbo, qual era o seu aspecto e para que servia. Na descrição do jardim que recebi chamavam ruibarbo a algumas folhas gigantescas verdes junto ao wc-biológico. Não fazia a menor ideia do que a minha antecessora, a senhora Ameixa, fazia com aquelas folhas. Só nos roubavam espaço do jardim, mas eu não ousava dar-lhes um tratamento com o maçarico do vizinho.
(...)
Bom, pensei eu, o ruibarbo deve fazer parte da cultura dominante neste país. Não há como escapar a isso, tenho de o comer. A minha mulher descascou os caules, cozeu-os com um pouco de açúcar durante cinco minutos, e deu-me um pote com uma papa viscosa verde que parecia...
Mas talvez seja bom, pensei eu, e comecei por beber um copo de vodca para desinfectar o estômago. A mousse de ruibarbo tinha sabor de vinagre com sumo de limão – não era propriamente para gourmets, mas esse também não era o meu objectivo. Aquela comida de sabor comprovadamente desagradável deu-me um forte sentimento de pertença. Estávamos unidos nesta comunidade, e a ingestão dos ruibarbos existentes era parte do processo. Era uma experiência que tinha de fazer.
Em todo o caso, recomendaria que se incluísse comer ruibarbo no teste para conseguir a nacionalidade alemã, para ajudar os candidatos a perceber que a vida na Alemanha não é pêra doce. Um quilo por naturalização devia ser suficiente. Os Schrebergärten podem fornecer.“
As histórias dos Schrebergärten são muito apreciadas nas palestras do Kaminer. O público deve sentir-se espelhado – ou no papel de vítima, ou no de membro da tal comissão. E sempre que ele fala dos ruibarbos, aparece alguém no fim da sessão a dizer que o problema provavelmente é ele não saber fazer um bom doce de ruibarbo, “e olhe que eu tenho uma receita, e olhe que lhe vou mandar um frasquinho”. De modo que ele – como contou uma vez em small talk com uma ministra ou presidente de um país nórdico qualquer (já me esqueci dos detalhes) – tem a despensa cheia de frascos de compota de ruibarbo provenientes de praticamente todas as cozinhas alemãs.
“Que engraçado!”, respondeu ela. “No nosso país toda a gente tricota meias, eu própria faço muitas, para relaxar, e recebo de presente umas quantas. Podíamos trocar as minhas meias pelas suas compotas.”
Já se sabe como são as recepções oficiais: fala-se muito, promete-se muito, e logo a seguir a vida continua. De modo que o Wladimir Kaminer voltou descansadamente para Berlim e nunca mais pensou no caso. Até que um dia recebeu um pacote postal com umas meias tricotadas à mão e um bilhete da ministra, ou presidente, onde se lia: “Como combinado, envio as meias. E as compotas, onde estão?”
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