Depois de o conceito "factos alternativos" se ter instalado entre nós, depois de sabermos que a maior parte das pessoas só aceitam os factos que confirmam as suas próprias crenças, depois de sermos testemunhas de campanhas de manipulação da opinião pública que repetem mentiras as vezes que for necessário até que estas passem por verdades - depois de tudo isto, é ingenuidade acreditar que o problema dos actuais ataques perpetrados contra a Democracia pode ser resolvido trocando ideias com os atacantes até que a voz nos doa.
Todos conhecemos exemplos das dificuldades de contar com a racionalidade e o bom senso das pessoas. Um dos mais graves a que assistimos nos últimos meses: Trump a "avisar" repetidamente, ainda antes das eleições, para "o risco de haver fraude eleitoral"; a dar-se por vencedor a meio da contagem, enquanto esta lhe era favorável; e a gritar "eu bem avisei que ia haver fraude, parem imediatamente as contagens de votos!" quando os resultados deixaram de lhe ser propícios.
Alguns dirão: o sistema sabe proteger-se, as acusações de fraude foram todas rejeitadas pelos tribunais. Isso é verdade - mas quem quer acreditar que houve fraude interpreta a resposta dos tribunais como sinal de que "eles estão todos feitos uns com os outros" - e avança para invadir o Capitólio, prender deputados, enforcar a segunda pessoa mais importante do sistema político.
Alguns dirão: o sistema sabe proteger-se, as acusações de fraude foram todas rejeitadas pelos tribunais. Isso é verdade - mas quem quer acreditar que houve fraude interpreta a resposta dos tribunais como sinal de que "eles estão todos feitos uns com os outros" - e avança para invadir o Capitólio, prender deputados, enforcar a segunda pessoa mais importante do sistema político.
A troca de ideias é positiva e muito necessária - desde que aconteça entre agentes que respeitam as regras básicas definidas pelas Constituição. Quem não as respeita, não pode exigir ser tratado como democrata.
O caso mais recente de uma Democracia a defender as suas linhas vermelhas está em curso na Alemanha: o Gabinete Federal de Protecção da Constituição anunciou que vai declarar a AfD como "partido suspeito" de atacar a ordem democrata-liberal e os princípios constitucionais alemães. Isso significa que haverá espiões e escutas telefónicas. Os servidores do Estado que pertençam a esse partido poderão ter problemas acrescidos, uma vez que, como funcionários públicos, estão particularmente obrigados a respeitar e promover os valores constitucionais. Uma das consequências será também que esse partido vai perder parte do eleitorado, porque quem se tem por "pessoa de bem" vai naturalmente afastar-se de um partido que foi declarado como perigoso para a Democracia.
Mais informações, aqui (em português).
Já há muito que este passo se anuncia. De cada vez que o assunto é mencionado, o partido recua nas suas posições e na sua retórica - o que, só por si, já é um sinal positivo do poder do sistema para obrigar os partidos a jogar segundo as regras da Democracia. Mas ultimamente a AfD foi decididamente longe demais - entre outros, com a participação na tentativa de invasão do Parlamento, em Agosto, e mais recentemente quando deputados desse partido deixaram entrar youtubers na zona reservada aos deputados e membros do governo, para transmitir em directo para a internet as cenas de intimidação que lá fizeram.
"Quem diz A não tem de dizer B. Também pode reconhecer que A estava errado." - diz Brecht.
O Tribunal Constitucional aceita os partidos mas não lhes dá com isso carta-branca para escaparem às regras e aos princípios consagrados na Constituição.
Não se trata da minha opinião contra a dos outros, a opinião do meu partido contra a opinião de outro partido qualquer. Não se trata da vontade e do poder de uns para mandar calar outros.
Trata-se de respeitar e fazer respeitar os limites traçados pela nossa Constituição.
E esse é um dever das instituições.
Já há muito que este passo se anuncia. De cada vez que o assunto é mencionado, o partido recua nas suas posições e na sua retórica - o que, só por si, já é um sinal positivo do poder do sistema para obrigar os partidos a jogar segundo as regras da Democracia. Mas ultimamente a AfD foi decididamente longe demais - entre outros, com a participação na tentativa de invasão do Parlamento, em Agosto, e mais recentemente quando deputados desse partido deixaram entrar youtubers na zona reservada aos deputados e membros do governo, para transmitir em directo para a internet as cenas de intimidação que lá fizeram.
"Quem diz A não tem de dizer B. Também pode reconhecer que A estava errado." - diz Brecht.
O Tribunal Constitucional aceita os partidos mas não lhes dá com isso carta-branca para escaparem às regras e aos princípios consagrados na Constituição.
Não se trata da minha opinião contra a dos outros, a opinião do meu partido contra a opinião de outro partido qualquer. Não se trata da vontade e do poder de uns para mandar calar outros.
Trata-se de respeitar e fazer respeitar os limites traçados pela nossa Constituição.
E esse é um dever das instituições.
Alguns argumentarão que a Democracia os persegue tal e qual como Salazar perseguiu os comunistas.
O que revela que não sabem a diferença entre Democracia e ditadura.
Ou - o que é o mais provável - fazem de conta que não sabem.
1 comentário:
Já o liberal Karl Popper dizia que não devemos ser tolerantes com os intolerantes.
No caso do Chega!, o TC considerou o programa do Partido legal, mas Ventura não tem cessado de alargar o 'universo do discurso'. Julgo que onde foi mais longe foi na exigência de se confinar todas as pessoas de etnia cigana. Ora, deter alguém sem culpa formada ou forte suspeita de que é portador de doença contagiosa (ainda por cima devido a racial profiling) seria obviamente ilegal.
Além de ter sido exactamente o que os Nazis fizeram aos judeus. E aos Roma e Sinti... Ora, a CRP proíbe Partidos que professem a ideologia fascista. O que está pois a fazer a PGR ao não levantar pelo menos um processo de averiguações ao Chega?
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