31 dezembro 2020

os heróis de 2020

Em finais de Fevereiro de 2020 um vizinho meu, da minha idade, foi ao otorrino tentar perceber porque é que perdera o paladar e o olfacto. Fizeram o teste, e descobriram que tivera covid - com poucos sintomas nas vias respiratórias, mas com aquela consequência de longo prazo. Há dias contou-me que ainda não recuperou esses sentidos. No verão teve uma ligeira melhoria, agora está de novo pior. "O maldito vírus andou a fazer estragos no meu cérebro", dizia ele tocando com a mão na cabeça, um pouco acima da nuca.
Viver sem olfacto nem paladar está a pô-lo depressivo.   

O chefe do meu marido, mais ou menos da minha idade, teve uma constipação à qual não ligou. Era covid. A companheira dele esteve muito perto de ter de ser internada. Ele voltou ao trabalho, mas andou semanas com graves dificuldades de concentraçao.

Um bom amigo nosso, de 92 anos, morreu de covid. A família não pôde despedir-se dele, porque estavam todos infectados. Só uma filha, que mora longe, veio fazer uma última visita ao pai. Contou-me que a estação de covid no hospital parecia um cenário de guerra. E contou-me também que, ao longo das três semanas que demorou a luta dele contra a morte, lhe pôde telefonar várias vezes e o deixou ouvir ao telefone algumas das suas músicas favoritas. O que significa que, no meio do contexto de stress e de tragédia, houve alguém naquele hospital que teve a generosidade de ficar perto de um doente com covid a chegar-lhe o telefone ao ouvido para ele poder ter algum contacto com os seus familiares. 

Os cuidadores das pessoas com covid são para mim os grandes heróis do ano que termina agora. Pessoas que sabem o mal que este vírus faz e os riscos que elas próprias e as suas famílias correm, e continuam na linha da frente a arriscar a própria vida para ajudar os outros. 

Bem hajam. Obrigada. 
(E se vissem a sua generosidade traduzida em algo mais palpável na conta bancária, acharia muito bem.)



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