09 julho 2020

"volta"

No dia em que a palavra mágica foi "volta", escrevi este texto a mostrar um pouco dos bastidores da aventura que é o grupo "Enciclopédia Ilustrada" do facebook:

Então? Então? Então? Na Enciclopédia Ilustrada a palavra do dia é #volta, e ninguém se lembra de falar das voltas ao alfabeto que andamos a dar vai fazer agora cinco anos?

Do Júlio Verne lembraram-se todos, mas das nossas voltas ao mundo... tsss tsss tsss, são tão século XIX, vocês!

Só escapa o colega Cristovam, que falou na Volta ao Dia em 80 Mundos: fantástica definição do que aqui fazemos.

E agora, muito rapidamente porque o tema #volta já passou o seu prazo de validade, partilho algumas recordações pessoais desta aventura:


Não sei quando é que o Vítor me passou a criança para as mãos, "ai, é só escolher uma palavrinha por dia, pronto". Lembro-me do fascínio do primeiro dia: propus uma palavra, e dezenas de pessoas escreveram posts muito bons sobre aquele tema. O fascínio, e a descoberta da minha responsabilidade. Lembro-me da paciência da Sónia a ensinar-me o b-a-ba disto (obrigada, Sónia!). Lembro-me - com muita vergonha - daquela vez em que decidi ser engraçadinha e num dia D propus "des-" (des-culpem! des-culpem!). Lembro-me da aflição repetida de encontrar uma palavra que começasse por determinada letra tendo simultaneamente algo a ver com a efeméride importante do dia (K no dia dos oceanos; krill?) - até ao momento glorioso em que decidimos que podíamos escapar ao totalitarismo do abecedário, e fazer "especiais". Ah, as efemérides: mais uns aninhos disto, e começo a saber de cor essa parte da wikipedia...

Com o tempo comecei a ganhar um certo calo: já consigo avaliar melhor as palavras que vão correr mal (por exemplo: que vão dar azo a posts escritos por impulso, sem pensar se é uma publicação que enriquece o grupo; ou que são demasiado complexas e não vão dar muitos posts), e as palavras que têm tudo para correr muito bem. Mesmo assim, ainda me surpreendo quando corre tudo ao contrário do que tinha previsto ou temido (como Wittgenstein ou Yardang, que foram dias excelentes). Lembro-me de a fase W X Y Z ser uma dor de cabeça já na altura em que entrei para o grupo dos que propunham a palavra do dia - e, espantosamente, depois de tantas voltas ao alfabeto ainda conseguimos propor palavras interessantes começadas por estas letras impossíveis.

Entretanto os antigos administradores foram-se afastando, e outros colegas ofereceram-se para ajudar a continuar as nossas voltas. Discretamente, um grupo "secreto" de colegas generosos encontra-se virtualmente quase todos os dias para fazer sugestões para o dia seguinte. Lembro alguns dos debates que temos tido, tais como polissemia versus tema único, ou sobre a melhor forma de propor os quinhentos anos da circum-navegação do Fernão de Magalhães. Lembro alguns momentos de muita risota, especialmente quando se aproxima sábado, dia de alguma brejeirice. Lembro em particular aquela semana em que nos permitimos um alinhamento malandro - Sexo / Trio / Ui - e quando chegou ao V ganhámos juízo e escolhemos Vagem em vez de Vulva. Enfim: aquele "ganhámos juízo" é uma maneira de dizer... Ainda dentro deste tema, lembro um Dildo que só não saiu num sábado porque tinham entrado recentemente muitos novos, e o tema podia dar barraca.

E assim vai a vida.

Desculpem repetir, mas o que tem de ser tem muita força: este grupo é um fenómeno. Um oásis de gratuidade, atenção aos outros e respeito mútuo para contrariar a época de egoísmo, utilitarismo, competição, e optimização do tempo. E a volta ao alfabeto parece o milagre da multiplicação dos peixes: quantas mais palavras servimos, mais palavras encontramos para servir. Mesmo as das malditas letras W X Y e Z.

(A última frase foi um arroubo poético, não liguem.)



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