Esta manhã, na fila da caixa do supermercado, vimos atrás de nós uma senhora um pouco mais velha que tinha apenas duas coisas na mão. Oferecemos-lhe que passasse à nossa frente, porque tínhamos o carrinho meio cheio. Ela recusou, disse que não era tão velha como isso, só um bocadinho - e ganhou coragem para tentar a caixa prioritária, que estava vazia. Mandaram-na para trás, e a seguir nós mandámo-la para a frente na nossa fila - e outra cliente com o carrinho cheio também recuou um metro, para lhe dar o seu lugar. Ela foi a contragosto, rindo. A nós não custou nada, e ela, além de poupar uns bons dez minutos, por alguns momentos esteve no centro de um bem-querer colectivo entre estranhos.
Ao contrário do que aconteceu a muitas outras pessoas, um efeito colateral positivo deste confinamento - no meu privilegiadíssimo caso pessoal, sublinho - foi o abrandamento do ritmo. É verdade que já dantes, quando via alguém com poucas coisas para comprar, propunha que passasse à frente do meu carrinho carregado. Mas nesse tempo pré-covid a oferta resultava de um cálculo simples "não me atrasa nada, porque se avia enquanto eu ainda estou a pôr as minhas compras no tapete". Agora, presenteio de forma tão consciente quanto desprendida aquilo que tenho de sobra: tempo.
Também mudou a atenção aos outros na rua. Ando em ziguezagues para os evitar, e sorrio-lhes enquanto rumo ao passeio oposto. Se vou de máscara, ponho mais empenho no sorriso, para que chegue aos olhos, única parte do meu rosto que os outros vêem.
Na cidade continuamos todos anónimos uns dos outros, mas deixámos de ser transparentes.
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