03 abril 2020

e que tal isolar as pessoas dos grupos de risco, e deixar os saudáveis apanhar a gripezinha?

Num artigo do Spiegel Online, Julia Merlot faz as contas para avaliar os resultados da solução alternativa que alguns equacionam para fazer frente ao desafio da covid-19.

Uma síntese do artigo:

Há cada vez mais vozes que se erguem contra o fim do lockdown total, propondo que se isolem apenas as pessoas que pertencem aos grupos de risco. Mas será que esta alternativa é praticável?


Alguns factos: entre o contágio e a manifestação dos primeiros sintomas decorrem cinco dias. Entre o contágio e o (caso necessário) internamento nos cuidados intensivos decorrem cerca de duas semanas e meia. Na melhor das hipóteses, os hospitais recebem uma previsão das necessidades diárias futuras com cerca de nove dias de antecedência. O ideal, a longo prazo, é conseguir aumentar a pouco e pouco o número de pessoas imunes, sem que o sistema de saúde atinja o limite da sua capacidade.

Começam a surgir propostas de impor as medidas apenas aos grupos de risco em vez de as impor a toda a população. Pessoas de idade, ou com doenças problemáticas, deviam evitar contactos sociais, e a restante população poderia continuar a fazer a sua vida mais ou menos normalmente.

Problema: enquanto o vírus se está a espalhar descontroladamente, esta solução teria demasiados riscos, como se viu na Grã-Bretanha, que começou por apostar na imunidade do grupo e rapidamente percebeu os riscos dessa escolha. Por outro lado, um isolamento prolongado traria às pessoas idosas enormes custos psíquicos.

Para além disso:
- Não é possível proteger com segurança absoluta as pessoas dos grupos de risco;
- Teme-se que o número de infectados nos grupos de menor risco cresceria de tal forma que os hospitais não teriam a possibilidade de acolher todos os que precisassem de cuidados especiais;
- Pergunta-se quais seriam os critérios para identificar os grupos de risco.

Alguns cálculos básicos, usando o caso da Alemanha:

Se fossem isoladas todas as pessoas com mais de 70 anos, haveria mais de 13 milhões de cidadãos alemães em reclusão. Cerca de 70 milhões poderiam continuar a movimentar-se livremente, e em poucos meses 2/3 desses seriam infectados. Ninguém sabe quantos desses cerca de 50 milhões de infectados precisariam de cuidados hospitalares, e se haveria capacidade para tratar todos - o que torna desde já esta escolha extremamente arriscada.

Além disso, não bastaria isolar as pessoas com mais de 70 anos. O risco de haver complicações graves começa já a partir dos 50 anos, e cresce exponencialmente. Os fumadores também são um grupo de risco. Somando os fumadores com menos de 60 anos e todas as pessoas com mais de 60 anos, seria preciso isolar quase 40 milhões de alemães. E ainda não se incluíram as pessoas que sofrem de asma, de diabetes, de problemas cardíacos e de cancro.

Ou seja: a proposta de isolar apenas as pessoas dos grupos de risco implicaria que cerca de metade da população alemã teria de ser posta em isolamento absolutamente estanque (uma vez que "lá fora" o vírus alastraria desenfreadamente).

Contudo, as pessoas dos grupos de risco também têm de ir comprar comida e ir ao médico. Mesmo que ficassem fechadas em casa e lhes levassem comida e cuidados médicos ao domicílio, seria muito difícil impedir o contágio justamente por esses elementos vindos de fora - como se viu tragicamente no caso do lar de terceira idade em Wolfsburg, no qual já morreram 22 pessoas vítimas de covid. Além disso, mais de metade das pessoas idosas que precisam de cuidados continuados vivem com os seus familiares cuidadores. O isolamento dos idosos implicaria a mudança de casa para um ambiente completamente desconhecido. Finalmente: há que considerar os custos psicossociais desta solução. Em suma: esta solução alternativa seria realizada inteiramente à custa do bem-estar das pessoas mais frágeis da nossa sociedade.

Um dos especialistas consultados afirmou ter esperança de que seja possível, no fim deste período de confinamento, acompanhar as cadeias de contágio, isolar os infectados e pôr os seus contactos em quarentena. Desse modo seria possível controlar o alastramento do vírus. Quando o número diário de novos infectados na Alemanha descer para 200 será possível começar a aliviar as medidas de isolamento da população. A par disso, é fundamental apostar nas medidas de higiene: lavar/desinfectar as mãos e usar máscaras nos espaços públicos, manter o mais possível a distância em relação às outras pessoas, e relembrar constantemente o risco real de infecção.

Está a ser preparada a realização de testes em grande escala para ter melhores dados sobre a situação actual de imunidade. Quando houver resultados, os políticos terão de escolher entre a contenção do risco de contágio e a contenção dos danos resultantes da luta contra este vírus.

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