Se não fosse tão triste até dava vontade de rir: numa época em que os políticos de vários países da União Europeia aproveitaram a crise da covid-19 para dar golpes fatais no sistema democrático (veja-se o que está a acontecer na Hungria ou na Polónia, sem que a UE esteja a ser capaz de reagir adequadamente), no momento em que se teme que a situação de estado de emergência tenha consequências graves para a vida democrática nos países, no momento em que se ergue o perigo concreto de, em nome da saúde público, o Estado poder controlar os cidadãos com apps espiões nos telemóveis, em Portugal há quem escolha criticar o Parlamento por insistir em celebrar como sempre - mas dentro dos condicionamentos estabelecidos pela DGS - a data mais simbólica da nossa Democracia.
Acusam os políticos que defendem esta medida de arrogância, teimosia, falta de respeito, o diabo a quatro. Em particular o Ferro Rodrigues, "um erro de casting", como li recentemente, "um político que não sabe lidar com os novos perigos para a Democracia".
Começo pelo final: se os políticos actuais soubessem lidar com os novos perigos para a Democracia, nem o Trump nem o Bolsonaro tinham chegado ao poder, nem o referendo do Brexit teria dado no que deu, nem a CSU alemã teria tido uma deriva populista e xenófoba tão flagrante - entre muitos outros tristes casos. Isto não há-de ser um problema apenas do Ferro Rodrigues.
E não esqueçamos nunca que, nas Democracias actuais, o verdadeiro erro de casting são políticos como o Viktor Órban e o Jarosław Kaczyński. Ou o André Ventura, num outro nível.
Nestes tempos perigosos, atacar e ridicularizar quem defende como indiscutível a decisão de dar um sinal claro de respeito pela Democracia e pela Liberdade é não saber discernir de que lado está o inimigo.
Mais: se nos damos conta de que um político democrata está a comunicar de forma insuficiente ou incorrecta, a nossa obrigação como cidadãos responsáveis é usar os meios ao nosso alcance para colmatar essa falha, em vez de fazer o jogo dos inimigos da Democracia. Temos hoje, mais do que nunca, a responsabilidade de participar solidariamente na protecção do sistema democrático.
Amanhã, às três da tarde, cantaremos o Grândola à janela da casa de cada um.
E depois continuaremos a lutar, dia após dia, para que as conquistas de Abril não se tornem uma recordação do passado.
25 de Abril sempre!
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"Ah, e tal - defender a Democracia, sim senhor, mas deviam ouvir a população que está a sofrer..."
Será que já se esqueceram porque é que a população está a sofrer? É para evitar a morte de pessoas muito concretas: o avô de Fulano, o pai de Sicrano, a filha de um deles, que sofre de asma. Isto não acontece apenas aos outros. E os políticos não nos mandaram a todos para casa para dar largas ao seu sadismo. Aliás: quem de nós queria estar na pele dos políticos actuais? Quem de nós queria tomar a decisão sobre quem e quando pode voltar à vida normal, sabendo que há o risco de sermos apanhados por uma segunda vaga?
A população sofre menos se no dia 25 de Abril o Parlamento ficar fechado? Porquê, não me dirão?
2 comentários:
Defender a liberdade e a democracia é dever de todos nós... força Helena, bem haja viva o 25 de Abril 🌹
Com muita categoria, são estes sinais que nos fazem bem, pois temos todos que nos livrar dos Venturas que se cruzam nas nossas vidas.
Obrigado Helena.
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