15 março 2020

em crise

No nosso segundo sábado na Bretanha fomos passear para a área das rias a norte de Brest, e ao fim do dia fomos jantar com colegas do Joachim. Não lhe chamarei comportamento de risco perante o coronavírus: estivemos sempre longe das outras pessoas nas praias praticamente desertas, e o Joachim encontra-se com aqueles colegas todos os dias - se alguém tiver o vírus, já houve mais que muitas oportunidades para o passar aos outros. Em todo o caso, este jantar foi a nossa despedida da normalidade. Não sabemos quando voltaremos a ter um encontro deste género.

A caminho do jantar ligámos o rádio, e fomos apanhados pelo momento histórico: o primeiro-ministro francês a fazer um discurso contido e digno sobre a necessidade de encerrar a vida pública no país. Na parte que apanhámos explicava que as escolas vão ficar abertas para os filhos de quem trabalha nos cuidados de saúde, e que os transportes públicos também vão continuar a funcionar para permitir que esses cuidadores possam continuar a servir a sociedade. Agradeceu imenso o esforço abnegado dessas pessoas, e depois apelou a todos para que faça cada um a sua parte, ficando em casa em vez de ser agente involuntário de propagação do vírus. A seguir falou um especialista, explicando a situação, os riscos e os cuidados a ter para não levarmos o vírus às pessoas mais fragilizadas da nossa sociedade. A palavra chave é responsabilidade. As duas intervenções deixaram-me a sensação de ser agente deste momento histórico, com um papel importantíssimo: evitar por todos os meios ser contaminada, para não contaminar os outros. 

Tanto quanto percebi: a partir das zero horas de hoje, e não sei durante quanto tempo, vão fechar todas as lojas excepto supermercados e farmácias, bem como restaurantes, bares, cafés, cinemas, teatros. Escolas e infantários permanecem fechados pelo menos até ao fim das férias da primavera.
A França fechou.

Durante o jantar falou-se com surpresa no que parece ter sido uma decisão tomada em cerca de três horas. No regresso a casa ouvimos na rádio um representante de uma associação nacional de empresas de restauração a criticar a decisão precipitada do governo. Perguntei-me se ele não teria uma avó, ou um filho asmático.

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É oficial: estamos em crise.

Uma amiga minha interrompeu a sua estadia num local remoto da América Central onde a probabilidade de o coronavírus chegar era baixíssima. Quer voltar para casa o mais depressa possível. Não se perdoaria se acontecesse alguma coisa à família e ela estivesse impedida de voltar ao seu país.



A Christina enviou-me este vídeo do Yo-Yo Ma a partilhar música que sente como reconfortante.

"Going home". E eu? Onde é a minha casa? França? Berlim? Portugal? Onde devo ficar neste período de quarentena? E por quantas semanas, por quantos meses, estarei impedida de me mover livremente na Europa?

Há trinta anos em diáspora, habituei-me a ser a minha própria casa.
Mas agora tenho filhos a viver a 1.600 km de mim, o que me rouba a tranquilidade.


1 comentário:

Lucy disse...

Que estes tempos novos não nos desanimem e que a Christina mande mais músicas consoladoras... bem precisamos.