10 março 2020
afinal parece que somos capazes de entrar em pânico...
Por estes dias tenho pensado muito numa das frases que Greta Thunberg mais repete: "a nossa casa está a arder - é preciso que vocês entrem em pânico". De facto, há mais de quarenta anos que estamos a receber informações da ciência sobre o processo de destruição do planeta até um ponto que põe a nossa própria sobrevivência em risco, mas temos conseguido ignorar, e esperar que outros resolvam o problema. Porque - alegadamente - nada deve pôr em causa o sacrossanto direito à prosperidade e à melhoria do nível de vida de cada um.
O pânico é uma cena que não nos assiste. Mesmo sabendo que, a continuar assim, em meia dúzia de anos chegaremos a um efeito acumulado de poluição atmosférica que provocará um desgoverno sem retorno no equilíbrio da natureza como o conhecemos até agora, e que em breve começaremos a assistir a movimentos migratórios de uma dimensão que fará a actual crise do Mediterrâneo parecer uma brincadeira de crianças.
Sinceramente, não entendo. Sabemos que o nosso estilo de vida nos está a conduzir a passos largos para a catástrofe, sabemos que os nossos filhos vão sofrer horrores por causa das escolhas de consumo, profissionais e de lazer que fazemos todos os dias. Mas nem isso nos impele a rever as nossas escolhas e - mais importante ainda - a dar aos nossos políticos sinais fortes de que terão o nosso apoio quando impuserem medidas fundamentais e urgentes para o planeta, mesmo que tenham grande impacto no nosso nível de vida.
E depois aparece uma gripezinha (que é extremamente contagiosa, é certo, mas está longe de ter um efeito comparável à subida do nível do mar e à desertificação de grandes áreas do planeta) e vemos que afinal sabemos entrar em pânico: as companhias de aviação cancelam milhares de voos de passageiros e de mercadorias, os hotéis ficam às moscas, as fábricas interrompem o funcionamento, os jogos de futebol decorrem em estádios vazios, as pessoas fecham-se em casa debaixo de um monte de rolos de latas de conserva e embalagens de massa a tentar escapar ao fim do mundo.
Bem sei que vamos pagar este pânico bem caro. Mas esta conclusão já ninguém ma tira: afinal somos capazes de meter os travões a fundo.
Quando queremos, somos capazes de meter os travões a fundo. Basta que se altere a nossa percepção do risco.
(Olho para a figura lá em cima e imagino que, em termos de luta contra o aquecimento climático, o coronavirus deve ter sido a melhor notícia que aconteceu ao planeta nos últimos duzentos anos.)
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5 comentários:
James Lovelock colocou a hipótese de que a biosfera actua como um organismo vivo. Eu era capaz de dizer que perante a sandice humana, ela nos está a mandar um aviso. Uma espécie de cartão amarelo...
Não vejo como aviso, mas como as consequências óbvias do nosso agir.
O que mais me choca é que sabemos isto há décadas, e não fizemos nada.
Claro, não me parece que Gaia tenha qualquer espécie de intencionalidade, mas se tivesse suponho que era isso que faria. 'Meninos, portem-se bem que para a próxima a taxa de mortalidade é de 40% e a taxa de infecção é de pelo menos 2 pessoas por cada infectado' (isso deveria chegar para liquidar a civilização)...
Mais a sério, tivemos no passado epidemias muito piores do que esta (peste negra, sífilis, gripe espanhola de 1918) que se propagaram muito mais devagar, a cavalo e à vela, e nem por isso deixaram de ter consequências profundamente sérias, como eu já aqui disse...
O que esta tem de diferente é o ter sido transportada por viajantes aéreos, mas teria cá chegado mais tarde ou mais cedo, num quadro de abertura da China ao mundo (e eu acho que isso é uma coisa boa, sobretudo para eles).
Por isso, de facto não concordo consigo, esta epidemia não é uma consequência das nossas acções, é fruto de uma pura contingência. Se se tratasse de um micro-organismo proveniente do degelo do permafrost siberiano, aí o caso mudaria de figura.
Quanto à sua interrogação no seu post original, acho que a historieta (falsa) do sapo que colocado em água a ferver salta imediatamente, mas que se deixa cozer em lume brando é útil para perceber o que se passa. Reagimos, como bons primatas, a perigos imediatos, mas não conseguimos reagir a algo que nem sequer imaginámos...
Porque é que as pessoas reagem instintivamente a um ataque terrorista que dificilmente as atingirá (a probabilidade é muito baixa) mas continuam a fumar?
Parece-me primeiro porque uma morte violenta as aterroriza muito mais (mesmo se uma morte lenta e agonizante pode ser muito pior) e depois porque um terrorista (ou um vírus) pode bem arcar com todas as culpas. Já o aquecimento global obriga-nos a abdicar das nossas comodidades... Como abdicar do vício de tabaco...
Mas poderá ainda perguntar porque não nos preocupamos com os acidentes na estrada e conduzimos como loucos (sobretudo os homens)? A morte num acidente de estrada é igualmente violenta. Aí creio por um lado que as pessoas não medem as probabilidades correctamente e depois trata-se ainda desse velho egoísmo de que falo acima.
Precisamos de uma cultura de segurança (na nossa relação com os outros e com o meio ambiente) mas o maldito machismo egoísta impede-nos de escolher o que seria melhor para nós e para o próximo (que pode bem ser um filho nosso)...
Entendi mal. Não me apercebi que com "aviso" se referia ao coronavirus.
Interpretei "cartão amarelo" como uma referência aos incêndios na Austrália e na Califórnia, por exemplo.
Sim, esses são da nossa inteira responsabilidade...
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