I.
Do livro de Michel Friedmann, "Kaddisch vor dem Morgengrau":
Do livro de Michel Friedmann, "Kaddisch vor dem Morgengrau":
Numa pequena
aldeia da Polónia, no tempo dos pogroms e dos schtetl, dirigiu-se um alfaiate
ao rabino.
A sua mulher
estava a morrer. Tinha-lhe dado sete filhos, tinha sido uma companheira
maravilhosa, tratara sempre bem da casa e criara as crianças com muito amor.
Estes, já adultos e eles próprios pais, encontravam-se junto à cama da
moribunda e imploravam-lhe que não morresse. Diziam-lhe que ainda precisavam
dela e que sem ela não conseguiam viver, pediam-lhe que lhes oferecesse ainda
algum tempo de vida antes de morrer e subir aos céus. Perante estes lamentos e
pedidos, a mãe chorava amargamente e martirizava-se para permanecer viva e não
os abandonar ainda. O alfaiate estava desesperado, porque amava a sua mulher, e
não suportava assistir ao seu sofrimento. Sabia que a sua mulher iria morrer, e
nem o pranto nem as orações o poderiam evitar. Contudo, sabia que ela não podia
morrer em paz enquanto não tivesse dado uma resposta às queixas dos filhos. Por
isso viera falar com o rabino e lhe pedira um conselho: que devia a mãe dizer
aos filhos, como os poderia convencer?
O rabino não
precisou de reflectir longamente. Conhecia a dor dos filhos, que também por ele
passara. Por outro lado, sabia como é difícil para os pais deixarem os filhos
sozinhos neste mundo. E assim aconselhou o alfaiate:
- Diz à tua
mulher que lhes deve explicar o seguinte:
Queridos
filhos, até na véspera da vossa própria morte me direis que precisais de mim,
que sem mim não quereis viver, não conseguireis viver. Mas vocês têm a vossa
própria vida. Cuidai de ser pessoas completas, que fazem o seu próprio percurso. Tudo o
que eu vos podia ensinar, todo o amor que eu vos podia dar, está em vós. Eu
cumpri a minha vida, vi-vos crescer para se tornarem pessoas autónomas. Agora
é a vossa vez de voar. Eu não passo de uma pedra que vos impediria de o fazer.
Voai, filhos, voai para a vida, e deixai-me voar para a eternidade.
II.
Um casal, a quem nascera um filho, desentendeu-se quanto ao nome a dar à criança, e foi falar com o rabino.
- Qual é o
vosso problema?, perguntou o rabino.
- A minha
mulher quer dar ao nosso filho o nome do pai dela, e eu quero que ele receba o
nome do meu pai, respondeu o marido.
- Qual é o
nome do seu pai?
- Abia.
- E o nome do
seu sogro?
- Abia.
- Então qual é
o vosso problema?, perguntou o rabino, surpreendido.
- Sabe, disse
a mulher, o meu pai era um doutor, enquanto que o pai do meu marido era um
ladrão de cavalos. E eu não quero que o meu filho tenha o nome de um ladrão de
cavalos!
Desesperado,
mas incapaz de os deixar sem uma resposta, o rabino disse-lhes:
- Dêem ao
vosso filho o nome Abia. Depois deixem-no crescer, começar a andar e a falar.
Ouçam os seus sonhos, vejam como luta pelo seu futuro, observem como se
realiza. E só depois saberão se ele recebeu o nome do doutor ou o do ladrão de
cavalos.
III.
Numa pequena Shtetl da Roménia havia um rabino muito crédulo, a quem contaram que um mercador da cidade vizinha estava a vender Justiça.
Numa pequena Shtetl da Roménia havia um rabino muito crédulo, a quem contaram que um mercador da cidade vizinha estava a vender Justiça.
"Justiça",
pensou o rabino, "que bom seria termos Justiça na nossa Shtetl!"
Juntou todas
as suas poupanças, pediu aos amigos que lhe emprestassem mais algum dinheiro, e
pôs-se a caminho da cidade.
O mercador não
tinha nada de parvo, e ainda menos de escrupuloso. Quando o rabino lhe disse
que queria comprar alguma Justiça, respondeu "muito bem, muito bem, espere
um momento". Desceu à cave, arranjou um odre, encheu-o com líquido da
fossa e fechou-o bem. Depois, embrulhou o odre num pano ricamente ornamentado,
e vendeu-o ao rabino a preço de ouro, recomendando-lhe que o guardasse com
cuidado e que não o abrisse.
O rabino
voltou todo contente para casa, e escondeu o odre debaixo da cama.
Durante a
noite, a satisfação não o deixava adormecer. A satisfação, e a curiosidade.
"Como
será a Justiça?", interrogava-se, e dava mais uma volta na cama.
"Quem me
dera saber!", acrescentava, e virava-se de novo.
De madrugada,
não conseguiu resistir mais à tentação. Levantou-se, pegou no odre, abriu-o e
espreitou para dentro.
No dia
seguinte, reuniu as pessoas mais importantes da comunidade, e anunciou-lhes
alegremente:
"Tenho
uma grande novidade para a nossa Shtetl: já temos Justiça!"
Um enorme
"aaaaahhhh" ecoou pela sala. Alguém perguntou: "E como é
ela?"
O rabino
respirou fundo, e revelou em voz baixa:
"A
Justiça fede."
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