25 novembro 2019

o fascismo que se infiltra na maçã


"Zero" em linguagem gestual (fonte)



Símbolo do White Power (fonte)

Manifestação de polícias (fonte)


Trago da Rita Dantas:



O fascismo é uma minhoca, não é?
Ai isso é!
Que se infiltra na maçã, não é?
Ai isso é!
Ou vem com botas cardadas ou com pezinhos de lã.
Não é? Ai isso é!

Nesta questão da polícia, do movimento zero e da adopção de um gesto que nos últimos anos foi apropriado pela extrema-direita, há um grupo de pessoas a quem parece importante referir que o significado principal do gesto continua a ser "ok". Acham essas pessoas que o gesto foi adoptado porque o movimento zero acha que está tudo ok? Que a usam na manifestação para contrariar as (aliás, em muitos casos justíssimas) reivindicações dos polícias, sinalizando gestualmente que está tudo óptimo? Claro que não. Então porque referem que o gesto quer originalmente dizer "ok"? Só para desconversar, suponho.

De seguida essas pessoas argumentam que o gesto é usado para sinalizar "zero". E é aqui que a porca torce o rabo - existiu uma condenação histórica em Portugal, em que polícias foram condenados por violência racista. O movimento zero nasceu da revolta contra esta condenação - portanto de pessoas que leram aqueles autos e em vez de dizer "que comportamento vergonhoso, repudio-o com violência, não me identifico com estes colegas", sentiram necessidade de mostrar a sua solidariedade para com eles e as suas difíceis condições de trabalho. Então, vamos fazer as contas: solidariedade com acusados de violência racista, fazem movimento anónimo, chamam-lhe "zero", usam por coincidência chata gesto conotado com a extrema-direita. Coincidência?

Aqui chegados, cada um acredita no que quer.
Eu acredito nisto: a escolha do nome e do gesto correspondente não pode ser ingénua. Era muito azar ou, dependendo de como o quiserem ver, muita sorte. Há coincidências na vida, mas parece-me demais. Já que muitos dos fãs do movimento zero não façam ideia do outro significado do gesto, não me custa nada acreditar. Acho até provável.

O que temos aqui é um caso clássico de infiltração lenta da maçã com pézinhos de lã: junte-se um terreno fértil, uma classe numerosa descontente e frustrada e preconceitos estruturais transversais à sociedade portuguesa prontos a serem acionados. E uma vontade de fazer as coisas acontecer.
É por isso que não me espanta nada que o mesmo discurso e o mesmo apoio ao Zero (e ao Chega, o side-kick político-parlamentar) circule pelos grupos de professores, embora me deixe ainda mais triste. Tal como não me espanta a evolução do discurso "eu não sou de extrema-direita e não aceito ser acusado disso" -> "nada do que ele diz é mentira" -> "se isso é de extrema-direita, então que seja".

Não há lições aqui: convinha não fertilizar o terreno, é verdade, mas já vamos tarde. Agora é partir para o combate por coisas que tínhamos dado por adquiridas e continuar a chamar os bois pelos nomes, exigindo de quem faz questão de desconversar que explique ao que vem.

2 comentários:

Jaime Santos disse...

Tenho para mim que estas pessoas sempre lá estiveram e sempre pensaram como pensam. As redes sociais e o encontro de outros que pensam como eles desinibiram-nos, num tempo em que os media tradicionais já não marcam a agenda (e alguns até seguem despudoradamente o preconceito fascista).

Infelizmente, parece-me que o tribalismo e o nepotismo são os comportamentos por defeito da espécie humana, bem presa ainda à sua biologia. Essa coisa que chamamos civilização é um mero verniz pouco espesso e por debaixo do qual está a barbárie.

Só assim se explica que no espaço de poucas décadas a Alemanha, que era apesar de tudo um País aparentemente menos anti-semita que os vizinhos a Leste e a Sul (Dreyfus foi acusado justamente de ser um espião alemão) e que durante os anos 20 foi a primeira super-potência cultural do mundo, tenha degenerado no paroxismo do holocausto nazi.

Depois, há outro elemento para além da crise económica e da mudança de paradigma que representa a Internet que convém lembrar. Muitos ocidentais de diferentes minorias (étnicas, sexuais, religiosas) começam finalmente a fazer valer o seu direito de cidade, coisa que uma parte da maioria não admite.

Sempre desconfiei da treta de que os Portugueses não são racistas, que era mais uma das patranhas do luso-tropicalismo. No momento em que os negros ou os ciganos começaram a manifestar-se pelo seu direito à cidadania plena, as comportas das redes sociais onde se escondem os cobardes abriram-se e o esgoto jorrou...

Mas WP? Num País sucessivamente invadido por celtas, romanos, godos, mouros (berberes) e onde uma parte significativa da população de Lisboa era negra (escrava, claro) ou judia no tempo das descobertas, por quem é que querem passar, ó tuguinhas? Não sejam ridículos...

Helena Araújo disse...

Jaime: isso tudo.