Será que o governo tinha mesmo de impor serviços mínimos na greve da Ryan Air?
Será que neste caso os cidadãos são apenas vítimas, e merecem ser protegidos?
Penso que não. No caso das empresas low cost, os cidadãos partilham com o empregador a responsabilidade de uma prática laboral iníqua. Quem compra um bilhete de avião 8,99 (ou 30, ou 50) euros não tem como ignorar que esse preço é uma aberração.
Da última vez que na Alemanha se falou das condições de trabalho das tripulações da Ryan Air, os jornais revelaram que os cursos de formação - 3000 euros - eram pagos pelos formandos, que o salário bruto começava nos 900 euros, que só recebiam por horas de voo (quer dizer: as horas em terra não são pagas, e se houver um atraso essas horas de presença "sem trabalho" também não são pagas), que os assistentes podem ser castigados se as vendas de comida e raspadinhas a bordo não forem satisfatórias, que a empresa muda a seu bel-prazer a base das pessoas (ou seja, o aeroporto onde começam e terminam o trabalho diário).
Em suma: as condições laborais na Ryan Air pararam algures no século XIX. Mas nós congratulamo-nos por conseguirmos a pechincha de viagens de avião a 8,99 euros - e chegamos a planear viagens apenas por causa do preço baixíssimo. Ao mesmo tempo que concordamos que estas condições laborais são inaceitáveis.
(É isto, e o aquecimento climático, sobre o qual também pensamos uma coisa e fazemos outra...)
Quem viaja com companhias low cost sabe que aqueles preços "milagrosos" são conseguidos à custa da exploração dos trabalhadores, e por isso não tem autoridade moral para se queixar em caso de voos cancelados por uma greve. Não há como exigir serviços mínimos neste caso. Por esse andar, já só falta mesmo exigir serviços mínimos nas empresas estrangeiras que praticam salários de fome e exploram trabalho infantil, para não pôr em risco o nosso direito a comprar t-shirts a dois e três euros...
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Mas continuo a acreditar que uma greve de zelo - melhor ainda: um conjunto coordenado de actividades de zelo excessivo a que não se desse o nome de greve (sim, eu sei que é ilegal mas não me chateiem: ando há dois dias a pedir que repensem o enquadramento legal das greves!) - que atrasasse todos os aviões em mais de três horas era capaz de ter melhores resultados.
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