05 julho 2019

"século XI"


Onde é que eu ia? Ah, já sei: Quedlinburg, a Kaiserpfalz favorita da dinastia otoniana, foi assistindo mais ou menos pacientemente às andanças daqueles malucos (ele era um irmão a tentar matar o outro, ele era um tio a raptar o sobrinho, rei aos três anos, para lhe ficar com o trono) e à intervenção sábia das mulheres (graças à avó e à mãe, o pequeno Otão III foi libertado aos cinco anos e pôde continuar a ser rei). Bom filho e neto, quis agradecer a ajuda (se é que ter de ser rei aos cinco anos de idade se pode chamar ajuda), e para isso ofereceu à abadia feminina da sua avó, em Quedlinburg, o direito de cunhar moeda, fazer feiras e cobrar impostos de alfândega. Aconteceu isso em 994, apenas seis anos antes do fim do mundo. Admito que o rapaz, na altura com 14 anos, tivesse pensado “yolo, e além disso quando isto começar a dar prejuízo já cá não estou” (assim uma espécie de parcerias público-privadas mil anos antes das nossas, é bem certo que na História nada se perde, tudo se transforma).

Acontece que, ao contrário do que tudo indicava, o fim do mundo afinal não aconteceu, e Quedlinburg entrou no #século_XI com uma sólida situação financeira, que lhe permitiu oferecer à abadia uma magnífica igreja românica: a igreja de São Servácio, que era um santo nascido na Arménia (curioso: para onde quer que me vire, dou com arménios – parece um caso de “estava escrito”).

O jovem Otão III morreu com apenas 22 anos, ainda o século era uma criança de fraldas, e quem lhe sucedeu foi o seu primo Henrique, que era um santo, e também o filho do tio raptor. Ou seja: tanto trabalho teve o tio Henrique, de cognome O Brigão, e para nada, excepto para enriquecer Quedlinburg (e também umas incursões bélicas de Otto III em Itália, que muito antes de Goethe já havia alemães a gostar daqueles ares e daquela culinária, lá está: a História a repetir-se, mas da segunda vez em forma de intercâmbio cultural e humanismo). Tal como Otto III, este primo morreu sem descendência, mas ao contrário daquele deixou um reino com a maior parte dos problemas bem resolvidos, e que ocupava mais ou menos a parte azul do mapa que podem ver numa das imagens (e que, já o sendo, não dava ainda pelo nome de sacro império romano-germânico, pelo que Henrique II foi provavelmente um caso de “éramos felizes, e não sabíamos”). O trono foi então dar uma voltinha para os lados da dinastia sálica (imagino o tio Henrique, o Brigão, às voltas na tumba, e a repetir "oh, se eu soubesse o que sei hoje tinha-me deixado ficar quietinho...").

Mas Quedlinburg permaneceu de pedra e cal, continuou a ser uma Kaiserpfalz favorita, e até teve direito a anais. Sim, os anais de Quedlinburg! Criados em 984, e com registos até 1025, pensa-se terem sido escritos por mulheres da abadia (who else?). Neles se pode ler pela primeira vez uma referência à Lituânia (1009). Mas não vou pesquisar nada sobre a Lituânia dessa época, porque ainda me arrisco a encontrar lá arménios.

Muito havia ainda para dizer. Por falta de tempo (e – escuso de fazer bluff - conhecimentos), deixo apenas uma nota à margem: este Santo Henrique era bisneto da Santa Adelaide. Ainda estou para saber se por alturas do século XI a santidade era questão de genética, educação, ou compadrio. [Cenas dos próximos capítulos: hei-de voltar ao assunto no século da Santa Isabel de Portugal.]

Não me deixaram fotografar a parte mais antiga da igreja de São Servácio, a do séc. X, mas desforrei-me na área construída no séc. XI. Eis as fotos.







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