29 abril 2019

quanto custa uma palavra

"Holocausto não será uma palavra originária do grego, utilizada há vinte e muitos séculos por Eurípides? A menos que tenha sido comprada por alguém que terá o direito, como proprietário, de a usar como entende... As boas causas nem sempre mostram os melhores argumentos." 
Autor do comentário: Abraham Chevrolet
No post anterior alguém que se esconde sob o nome "Abraham Chevrolet" escreveu o comentário em epígrafe. Isto é uma canseira, mas tem de ser. Vamos lá por partes:
1. No tempo de Eurípides não havia comboios. Juntar o símbolo de um comboio à palavra "Alcoholocausto" prova que a intenção é usar a palavra Holocausto na acepção que ganhou depois do genocídio contra o povo judeu cometido em meados do século XX sob o olhar indiferente de uma espantosa maioria dos europeus. 
O comboio: por exemplo, o comboio que no dia 27 de novembro de 1941 levou 1053 judeus berlinenses para Riga. Uma viagem de três dias, em fins de novembro, em carruagens de mercadorias, sem aquecimento, sem bancos, sem casas de banho, sem comida, sem água, sem lugar para se deitar a dormir. Ao terceiro dia chegaram a Riga, viu-se que não havia lugar para eles no gueto onde os alemães já tinham metido muitos outros judeus, levaram-nos para uma floresta, mandaram-nos despir e mataram-nos ali todos a tiro, em frente à vala previamente escavada para lhes ser sepultura.
Matar judeus a tiro, em frente à vala comum: por exemplo, o que um soldado alemão revelou em 1945 à sua irmã quando esta lhe perguntou que é que eles tinham feito na frente Leste para justificar o ódio com que os soldados russos andavam a violar as mulheres na Alemanha vencida. Foi isto que ele contou, em choro convulsivo: 
- Depois de se despirem, ficaram alinhados em frente à vala. Uma mulher jovem, com uma criança de dois anos ao colo, olhou para mim e implorou: "soldadinho, por favor, faz boa mira e mata o meu filho com um tiro só". 

Quando hoje em dia se diz "Holocausto", Abraham Chevrolet, é disto que se está a falar. Isto, multiplicado por milhões.

2. Ao longo do tempo, o significado das palavras pode mudar, e há acordos mais ou menos tácitos sobre o uso que lhes é dado. "Parvo", por exemplo, começou por significar "pequeno", mas já ninguém usa a palavra com esse sentido. "Holocausto" é agora usado para designar o genocídio dos judeus cometido na Europa de meados do século passado, e pelos vistos só os estudantes de História de Coimbra é que têm dúvidas, porque sentem a necessidade de acrescentar a imagem do comboio para deixar bem claro ao que vêm. 


3.  É claro que a palavra "Holocausto" foi "comprada por alguém que tem o direito, como proprietário, de a usar como entender" - nem sei porque é que pergunta. Foi paga com um preço altíssimo: o sangue de seis milhões de pessoas. Se o Abraham Chevrolet se desse ao trabalho de começar hoje - em fins de Abril - a ler o nome de cada uma dessas vítimas, ininterruptamente, dia e noite, lá para o Natal conseguiria chegar ao fim da lista. Mas o horror vai ainda além destes seis milhões de vítimas mortais. Não podemos esquecer as vítimas que sobreviveram ao Holocausto mas ficaram profundamente marcadas por ele. As que conseguiram escapar aos campos, mas perderam neles toda a família. As que sobreviveram à fome, aos trabalhos desumanos, ao frio e à doença a que foram deliberadamente sujeitas nos campos para que deles morressem - muitos destes sobreviventes mataram-se anos depois, por não conseguirem suportar a memória e o trauma. As que foram vítimas das sádicas experiências do Mengele - como a mulher que viu o seu bebé a morrer lentamente de fome, porque o "médico" queria saber quanto tempo é que um recém-nascido consegue resistir sem alimento. Como o homem que tinha as cordas vocais destruídas e o sistema digestivo gravemente afectado porque em criança, no laboratório de horrores do Mengele, este lhe deu a beber ácido para experimentar possíveis tratamentos. 

4. Quando tinha cinco anos, à porta de Buchenwald, o meu filho quis saber o que é que eu teria feito se vivesse na Alemanha durante o período nazi. E disse o que é que ele próprio teria feito: perguntava aos nazis porque é que eles faziam aquilo. 
Passo a pergunta para si, Abraham Chevrolet: porque é que escreveu este comentário? Quais são os princípios que regem a sua vida? Que marca quer deixar neste mundo?
E porque é que precisa de se esconder atrás de um nickname cobarde? 

7 comentários:

Jaime Santos disse...

A palavra correta, Helena, não é tanto parvo mas antes impertinente, ou seja alguém que gosta de dizer coisas a despropósito. É próprio de quem comenta sob a capa do anonimato querer passar-se por parvo para se querer fazer de esperto.

O dito senhor sabe certamente que no seu significado original, 'holocausto' queria dizer o consumo completo pelo fogo (da dádiva sacrificial a Deus). Logo, nesse sentido, essa palavra nunca poderia ter sido usado pelos estudantes (suspeito aliás que nem sabem o que significa).

E é talvez devido a esse significado que no contexto do genocídio perpetrado pelos nazis, os Judeus preferem o uso da palavra catástrofe.

Por isso, volto ao meu comentário anterior. Com os néscios, posso eu bem. O meu problema é com aqueles que dizem as coisas não por ignorância ou descuido mas com absoluta volição.

Talvez RAP tenha afinal razão de uma forma perversa. Mais do que expor quem é parvo, a liberdade de expressão permite afinal descobrir quem tem a alma negra. Não fora o que tal produz por arrasto (a contaminação das mentes alheias), eu teria que dar a mão à palmatória ao melhor humorista português da atualidade...

Abraham Chevrolet disse...

Ok,grato pela informação,no tempo de Euripides nao havia comboios. O parvo,quero dizer o pequeno anacronismo caiu aqui para corroer a palavra holocausto que o clássico grego utiliza. Aproveitemos para rever os antigos e...lá está.
Que novos significados uma palavra possa tomar,admite-se;mas tal anularia,para sempre,os antigos? Existe ou não palavra judaica para a tragédia em questão, Shoa,creio eu?
O que quer dizer tamanha ânsia de exclusividade de uso de uma palavra que pertence à cultura universal há seculos e seculos?
Quanto ao número de vitimas judaicas causadas pelo nazismo,terrivel tragédia (palavra grega)que todos lamentamos,não faz esquecer as tragédia de outras nações que,no mesmo conflito, tiveram 4 a 5 vezes mais vítimas que o povo judeu.
Que o judaísmo seja defendido como causa ,entendo-o e respeito.
O sionismo será um desvio extremista,origem de dislates e insultos que não se consentem.
Por último,não sou anónimo. O que sou,sem sombra de dúvida,é educado




Helena Araújo disse...

Jaime, obrigada pelo comentário. Posso passá-los a post, para lhes dar mais visibilidade?

Helena Araújo disse...

Abraham Crevolet, está a desconversar. Continue, continue, está a mostrar cada vez melhor que tipo de pessoa é. Só falta mesmo dizer o nome.

Jaime Santos disse...

Sim, pode passar os comentários a post, se desejar, eles são públicos e estão assinados afinal, mas obrigado por perguntar.

Quanto ao novo comentário do dito senhor acima, só posso dizer QED...

P.S. Já tentei postar esta resposta antes, mas penso que não funcionou. Se tiver funcionado, apague-a p.f., não vale a pena ser redundante (mas é preferível a ser-se impertinente ;) ).

Jaime Santos disse...

E já agora, meu caro Abraham ou lá quem for, uma vez que presumo que se refere a mim como sofrendo de falta de educação, explique-me lá como é que é possível ofender alguém que não sabemos quem é, porque se esconde por detrás de um pseudónimo.

Para se ficar com a honra ou a reputação ou o que seja manchada pela palavra dos outros, é preciso dar a cara. É essa uma das vantagens de assinarmos o nosso nome. Temos o direito de nos sentirmos ofendidos. Quem comenta por debaixo de uma capa, não corre tal risco, logo também não pode reclamar tal privilégio. Ofender um anónimo é um 'victimless crime' :) ...

Mas por quem é... Olhe, processe-me... Boa sorte a explicar ao juiz que se sentiu ultrajado porque alguém terá supostamente ofendido o seu pseudónimo...

Helena, já sei que não se devem alimentar os trolls, mas não resisti a ser impertinente pelo meu lado ;) ...

Abraham Chevrolet disse...

O seu blog nao admite comentadores anónimos. Foi a senhora que lá o escreveu.
Por fim,um conselho: o proselitismo sempre funcionou pior que a atração.