25 março 2019

#fixcopyright, #SaveYourInternet, Artigo11, Artigo13

Amanhã o Parlamento Europeu vota a lei dos direitos de autor na União Europeia. A tal que inclui os fatídicos artigos 11 e 13 de que tanto falam alguns. O que me parece, sinceramente, é que amanhã o Parlamento Europeu vai votar uma espécie de Brexit para a internet: primeiro aprovam a lei, e só depois vão perceber realmente o que votaram e o caos que criaram.

Sasha Lobo, um especialista do Spiegel online para o tema Internet, que vive praticamente apenas das suas publicações (ou seja: deveria ser o primeiro interessado numa lei de protecção dos direitos de autor), tem feito imensas críticas a esta lei. Em variados artigos (que doravante não vou poder traduzir, ou sequer resumir) diz que:
- Esta lei foi desenhada para responder aos interesses dos que se dizem representantes dos autores, mas de facto pouco se preocupam com os direitos destes. Prova disso foi o facto de terem conseguido tirar do projecto da lei a proibição de práticas tão injustas como o "total buy out", e de terem alterado o texto no que diz respeito ao que deve ser o pagamento aos autores - de "proporcional" para "adequado";
- Os políticos prepararam um lei que não pode funcionar na prática, porque os programas informáticos de reconhecimento de conteúdos não são capazes de desempenhar essa tarefa adequadamente (lembram-se da burrice de alguns lápis azuis? é por aí, mas em muito maior escala). Os filtros automáticos não têm como reconhecer as excepções previstas na lei: a citação para crítica, comentário, caricatura, paródia, pastiche.
Ou seja: os políticos que prepararam esta lei não percebem grande coisa de internet, estão a ceder à pressão de certos lobbies e padecem de "pensamento mágico", patente nessa sua ilimitada confiança nas capacidades das máquinas. E: esta lei não acautela os interesses dos autores, mas das entidades que se dizem representantes daqueles. É uma lei criada para que as grandes empresas de gestão de direitos de autor tenham ainda mais poder e dinheiro. E que, na prática, forçará os artistas que no séc. XXI nascem e crescem fora do alcance das grandes máquinas de gestão de direitos a registar-se à força nesse modelo antiquado e desigual. O objectivo do artigo 11 e do artigo 13 não é proteger os criadores, mas o modelo empresarial que se alimenta do trabalho deles.

Isto não é novo. Já há tempos a Maria João Nogueira explicou - a propósito da lei da cópia privada (questão 10 neste link) - que, da taxa que pagamos para direitos de autor quando compramos smartphones e outros equipamentos electrónicos, só uma ínfima quantia chega aos autores. A parte de leão fica na máquina que administra os direitos.

E como o artigo 13 responsabiliza a plataforma - e não o utilizador - pelos conteúdos publicados, as plataformas vão ter tolerância zero. Se esta lei passar, ainda vamos ter muitas saudades das trapalhadas que já conhecemos ao facebook e que tanto nos irritam. Lembram-se da foto histórica da miúda vietnamita a fugir a um bombardeamento de napalm, que o facebook apagou alegando nudez? Ou da foto da Mata Hari na Enciclopédia Ilustrada, que levou ao bloqueio da pessoa que a partilhou? Isso não é nada, comparado com o que nos espera se esta lei passar amanhã.

O roubo das criações artísticas e intelectuais na internet é um problema, sem dúvida. Mas se é para fazer uma lei dos direitos de autor, convém que esta defenda realmente os interesses dos autores, e não os de certas empresas. E, já agora, que os mecanismos de autorização sejam exequíveis. É que (por exemplo) estou há três anos à espera de autorização do Spiegel para traduzir uma reportagem engraçada sobre uma cidadezinha alemã que se uniu para acolher refugiados. Em 2016 quis muito contar neste blogue sobre os adolescentes que começaram a dar aulas de skate aos seus novos amigos vindos da Síria e do Iraque, e sobre a alegria de uma pequena cidade que reforçou os seus laços comunitários e se sentiu enriquecida pela chegada dos refugiados. Pedi autorização para o fazer, e ainda estou à espera de resposta.


Aliás, já podemos vislumbrar o que nos espera se amanhã se lançarem nesse processo tipo "Brexit" da internet. Lembram-se da página de facebook "Os Truques da Imprensa Portuguesa"? Criticavam o modo como certas notícias eram dadas, e, obviamente, mostravam a notícia que criticavam. A TVI queixou-se de violação dos seus direitos e a página está em risco de desaparecer (*).

Se o Parlamento Europeu amanhã deixar passar os artigos 11 e 13, a internet que por aí vem vai ser muito isto: a impossibilidade de falar dos trabalhos dos outros, de aplaudir, criticar ou parodiar,  ou sequer de usar imagens ou frases que já fazem parte da cultura global. Se esta lei passar, terei de apagar o poema de Sophia junto ao cabeçalho do blogue (embora tenha comprado o livro onde a li). E não sei o que terei de fazer para conseguir autorização antes de escrever aqui "eu é mais bolos", "o perigo é uma cena que não me assiste" ou "no princípio era o Verbo".
Talvez o melhor seja arranjar um gatinho e encher o blogue com fotos dele. Tudo o resto será terreno minado.

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(*) Vou copiar o texto publicado na página de "Truques da imprensa portuguesa" (aproveito, que a lei ainda não foi aprovada), aqui:

Hoje, 19 de março de 2019, fomos notificados pelo Facebook de que alguns vídeos que fomos colocando nesta página foram retirados após queixa da TVI por alegada violação dos seus direitos.
São vídeos, alguns, com quase 3 anos de idade. Publicações adormecidas, sem qualquer atividade atual.
Os vídeos são citações, pequenos excertos de notícias ou debates, que ilustravam erros ou omissões susceptíveis de serem divulgados e discutidos.
São vídeos utilizados apenas como contexto - não fazemos deles o conteúdo desta página, não os apresentamos como nossos, atribuímos-lhes sempre a origem, não temos qualquer vantagem ou contrapartida com a sua publicação -, utilizados sempre e apenas com o propósito de exercermos, nós e vocês, o livre direito à crítica, naqueles casos, à TVI.
São, sobretudo, vídeos velhos, fora do prazo e que tiveram o seu tempo de vida. E fica a pergunta: porquê hoje?
Não sabemos. Mas, por conta dessas queixas da TVI, realizadas em bloco, um dos administradores desta página tem o seu acesso bloqueado, podendo esse bloqueio, nos próximos dias, tornar-se definitivo e expandir-se à própria página. O caso encontra-se agora a ser apreciado pelo Facebook.
Tememos que seja uma questão de tempo até estarmos todos impedidos de aceder a esta página.
Prezamos muito os direitos de autor de terceiros. Já aqui condenámos muitas vezes o plágio em trabalhos jornalísticos.
Contudo, hoje, a TVI decidiu que os vídeos que temos publicado com imagens suas violavam os seus direitos de autor. Esse vídeos ilustravam críticas à própria TVI. Críticas essas que foram hoje definitivamente eliminadas da página dos Truques, bem como das milhares (sim, milhares) de partilhas de seguidores da página.
Toda a gente sabe o que acontece quando conteúdos de uma página são denunciados em massa. A TVI sabe-o. O objetivo é, portanto, fácil de perceber.
Veremos quanto tempo mais resta a esta página.
A solução é uma: a TVI comunicar ao Facebook o seu consentimento. Não contamos com isso, nem o pedimos.
Se a página acabar aqui, acabou. Ganha a TVI, perdemos todos.

NOTA: publiquei este post ontem à noite, e acrescentei algumas frases esta manhã. As frases incluídas recentemente são complementos que não alteram o sentido do texto.


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