O
que há num nome?
Quem
se terá lembrado de chamar "Noite de Cristal" a este momento de
brutal ruptura com a ideia que tínhamos da nossa civilização?
Não terão sido os nazis, que em documentos da época lhe chamavam “operação judeus”, “operação vingança”, “operação Rath”. Talvez tenha sido cunhada pela população de Berlim, perante os montes de vidros estilhaçados que se acumulavam sobre os passeios, e entrou no léxico da História.
Se
esta expressão - eufemística, quase romântica e até glorificadora - seria
natural durante a época do III Reich, o que explica que se tenha mantido na
Alemanha até aos anos oitenta do século passado? Mais: o que explica que ainda
seja usada em tantos países (nomeadamente em Portugal e no Brasil)? Curiosamente,
até em Israel se usa esta designação (»Leil HaBdolach«),
embora sempre com aspas.
Em
1988, Avraham Barkai escrevia
no seu „1938 – Ano Fatídico“: „Noite de Cristal! Os cristais brilhantes,
reluzentes, cintilantes de uma festa! Começa a ser tempo de eliminar, ao menos dos textos de História, esta
expressão malévola e adoçada”.
Na viragem da primeira década do nosso século, quando os meus filhos andavam no
secundário em Berlim e estudavam estes temas, ainda não havia um nome estabelecido
para referir esse capítulo da História. “Kristall” era sem dúvida uma palavra a
evitar, mesmo se ligada a Reich, “noite de cristal do Reich”. Usar “pogrom” em
vez de “cristal” também não é adequado, porque o pogrom é normalmente uma
erupção de violência popular, um fenómeno de mob, algo muito diferente destes
ataques a judeus planeados e executados a partir da cúpula do sistema nazi. Por
outro lado, falar em “noite” também é incorrecto, porque essa vaga de violência
com ataques aos edifícios e perseguições às pessoas durou vários dias. Na
exposição Topografia do Terror, em Berlim, o título dado a estes acontecimentos
é “Terror anti-semita 1938”.
Entretanto, e apesar de não ser muito adequada, a designação mais usada tem
sido “Noite de Pogrom do Reich”, “Reichspogromnacht”.
À boleia de Avraham Barkai, sugiro que também em Portugal se reveja o nome usado. Seria um bom exercício de debate sobre o politicamente correcto: a necessidade de nos darmos conta, por fim, do significado das palavras que usamos, e da ideologia que transportam.
À boleia de Avraham Barkai, sugiro que também em Portugal se reveja o nome usado. Seria um bom exercício de debate sobre o politicamente correcto: a necessidade de nos darmos conta, por fim, do significado das palavras que usamos, e da ideologia que transportam.
2 comentários:
Nunca tinha pensado nisto, mas o nome também muda a percepção que se tem do acontecido.
Isso mesmo.
E influencia o nosso pensamento. Por exemplo: ao dizermos "solução final do problema judaico" estamos a interiorizar que os judeus constituem um problema que precisa de uma solução. Se dissermos "genocídio dos judeus" centramo-nos no crime cometido contra esse povo.
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