04 outubro 2018

"honra"



A palavra de ontem na Enciclopédia Ilustrada era "honra".
Copio para aqui a participação do Lutz Brückelmann - lembram-se? O autor do saudoso blogue "Quase em Português".
(Já uma vez fiz uma greve de fome para conseguir que o Lutz reabrisse o blogue. Ao ler textos como este penso que valia bem a pena fazer segunda tentativa.) (E fazia, se soubesse que o Lutz cederia ainda antes da hora do jantar.)


"Quanto mais alguém me fala de #honra, mais de pé atrás fico. Basta olhar ao que a Google devolve em imagens para a palava „Ehre“, honra em alemão, para perceber porquê.

Honra é um conceito atávico, proveniente e indissociável de formas de convívio humano incompatíveis com a liberdade. É um conceito tribal, anti-racional e anti-democrático. Não é por acaso que ela é o valor supremo dos Nazis, das organizações de crime, como a máfia, todas as máfias. E, reconhece-se, também na instituição militar. Tem o seu lugar natural onde imperam a violência e o poder autoritário, onde partilha este com o valor da lealdade.

É um logro achar que honra é uma qualidade individual. É uma exigência externa interiorizada. Isto nota-se na honra familiar. A honra da mulher, por exemplo, reside na sua castidade que uma vez perdida, é irrecuperável. A sua castidade não pertence a ela, ela não é sua dona e por consequência não é dona do seu corpo, é propriedade da família. E „protegida“, controlada pelos homens que nela mandam. Por isso, os familiares masculinos, os guardiões - de facto proprietários - no extremo, podem restabelecer a honra da família matando a mulher.

Demorei algum tempo até compreender e aceitar que honra é mesmo algo universalmente mau. Pois tal como quase todos nós fui socializado na noção de honra como um valor positivo, mais, dos mais importantes. Tantas histórias e filmes com os seus heróis, antigos e novos, apresentam-nos este valor como indispensavel, ingrediente natural para que qualquer protagonista nos possa merecer respeito.
E muitos valores positivos parecem estar ligados ou mesmo a decorrer dela: a coragem face a adversidade, a capacidade de sacrifício, a auto-disciplina, a não cedência a tentações, a generosidade...
Mas estes valores na verdade não dependem dela e não lhe devem nada. A honra, segundo Schopenhauer, "objetivamente, a opinião dos outros acerca do nosso valor, e, subjetivamente, o nosso medo dessa opinião", nunca descola verdadeiramente da mera reputação. (Daí, honra pode ser preservada, desde que se consegue esconder a violação do código.)

Uma pessoa autónoma, livre, não precisa de honra. Tem uma consciência. Uma honra que se emancipou da expetativa exterior. E os valores acima referidos no contexto da honra, vivem, tal como a dignidade, o auto-respeito, a responsabilidade e a cidadania, todos e muito melhor."


3 comentários:

Lucy disse...

mas no meu coro cantamos Ehre Sei Gott... O que tem a ver com honra?

Helena Araújo disse...

Aí, é no sentido de "homenagem a alguém pelas suas boas qualidades ou talento".

Lucy disse...

homenageamos o talento de Deus? certo...