25 julho 2018

segurança pública


Há alguns meses, os bombeiros de uma cidade alemã alertaram para a sua incapacidade de fazer face à força da Natureza. No caso, falavam das inundações numa área de tal modo vasta que eles não conseguiam acudir a todas as necessidades. Semanas mais tarde, comecei a ouvir falar no risco altíssimo de incêndio nas florestas à volta de Berlim, vi imagens de campos de cereais a arder e li notícias sobre a dificuldade de controlar esses incêndios - não me lembro de alguma vez isto ter sido tema na Alemanha. Nas últimas semanas temos visto imagens das florestas suecas a arder (a Suécia costumava ser aquele país onde se fazia férias de Verão em galochas e impermeável) - e agora a tragédia de tantas vítimas mortais na Grécia.

Os bombeiros não estão - nem podem estar - preparados para isto. As alterações climáticas colocam-nos perante situações em que
um gesto inadvertido pode ter consequências mortais para muitas pessoas, e os Estados não se estão a mostrar capazes de garantir a segurança dos cidadãos.

A um nível micro, vamos sentindo os esforços de adaptação a esta mudança. Por exemplo, este fim-de-semana há um festival regional da rede Burning Man na Dinamarca (outro dos países onde galochas faziam parte do guarda-roupa de Verão), e as regras são tão estritas que nem permitem pequenos fogões a gás, só eléctricos (ou os tais fogões a gás em locais especialmente designados e controlados). Os próprios organizadores fiscalizam o cumprimento das regras, em regime de tolerância zero e com duras penalizações (conheço uma pessoa que está impedida de participar em qualquer festival dessa rede por ter desrespeitado a proibição absoluta de fazer fogueiras no Nowhere espanhol, numa época em que o risco de incêndio era demasiado alto).

Não sei se ainda vamos a tempo de inverter a tendência à escala planetária. Mas sei que temos de estar todos muitíssimo mais atentos às consequências dos nossos actos, e também dos dos outros. Temo que venha por aí uma espécie de clima de faroeste: perante Estados incapazes de garantir a segurança, cada cidadão tornar-se-á agente de segurança pública, controlando não apenas o seu comportamento mas também o dos outros. Está longe de ser o ideal, mas é provavelmente o cenário que se vai impor. E não será apenas no que diz respeito à protecção contra incêndios. O #metoo é outro exemplo de apropriação das funções do Estado quando se sente que este não as desempenha adequadamente.

Tempos estranhos para o ideal de Estado Democrático de Direito.

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