Na série do Wladimir Kaminer sobre o mundial de futebol na Rússia, vários posts são sobre a interacção entre os estrangeiros e as mulheres russas. Pensava eu que era piada do escritor, mas um artigo do dia 5 de julho no jornal Süddeutsche Zeitung esclareceu-me. Muito resumidamente, o artigo de Julian Hans, a partir de Moscovo, diz isto:
O filme mostra as imagens habituais de uma festa internacional de desporto: pessoas que não se conhecem, de diferentes regiões do mundo, dançam em conjunto na rua, cantam e confraternizam. Mas o vídeo em questão só se tornou realmente famoso quando as pessoas se deram conta da letra da canção que os alegres brasileiros cantavam para a russa loira no meio deles: "Buceta rosa". Aos ouvidos russos, isto soa a "um ramo de rosas" - e este mal-entendido seria o motivo pelo qual a rapariga entrou naquela dinâmica de grupo. O verdadeiro significado da expressão em português explica, por seu lado, o riso alarve dos turistas. A primeira reacção veio das mulheres russas, furiosas. A seguir, os homens do filme foram reconhecidos pelos seus colegas no Brasil, perderam o emprego, e as associações de fãs brasileiras apresentaram pedidos de desculpa.
"Buceta rosa" tornou-se um sinónimo
O caso podia estar encerrado, mas na Rússia a expressão "Buceta rosa" tornou-se um sinónimo da discussão sobre quanta proximidade se deve permitir a estes estranhos que vêm às centenas de milhares não apenas para Moscovo, mas também para outras cidades que raramente vêem turistas. A invasão de fãs na sua maioria homens jovens provocou insegurança sobretudo aos homens do país, e deu origem a um debate sobre a relação entre homens e mulheres na Rússia.O primeiro entusiasmo em relação aos divertidos mexicanos com os seus sombreros, os brasileiros com os seus tambores e os argentinos com as suas danças deu lugar a uma onda de raiva descarregada na internet (e não só), que se instalou no ambiente deste mundial de futebol. Mulheres que punham nas redes sociais fotos suas com estrangeiros eram insultadas como "puta", "protecção de colchão" e "dollar-Nataschas" - por muito inócua que fosse a imagem do seu encontro fortuito com um estrangeiro. Se na foto se via um homem negro, chamavam "tinteiro" à mulher. O tablóide Moskowskij Komsomolez publicou um texto com o título "A hora das libertinas: como as mulheres russas envergonham o seu país e a si próprias no mundial de futebol". E nos talkshows do canal televisivo estatal o tom não é muito diferente.
As feministas debatem se é realmente tão bom trocar o machismo dos seus próprios homens pelo dos estrangeiros.
A indignação devido aos contactos entre as mulheres russas e os estrangeiros é um caso clássico de frustração nas relações entre os sexos. Até ao mundial de futebol, não era habitual os russos terem contactos com estrangeiros, e a imagem destes era muito determinada pela propaganda da televisão estatal. "Gayropa" é o nome injurioso dado a essa Europa onde dizem que já não há homens verdadeiros. E de repente o país enche-se de jovens com muito bom aspecto que começam a flirtar com as russas!
Há muito que o número de mulheres é superior ao de homens
Na Rússia, há menos homens que mulheres, mesmo já nas gerações mais jovens. Alguns motivos: violência, alcoolismo, comportamentos de risco que têm mais incidência nos homens que nas mulheres - e mais ainda no caso dos russos. Além disso, o elevadíssimo número de homens vítimas da revolução, do terror de Estaline e da guerra contra Hitler fez com que a sociedade se habituasse à ideia de haver menos homens que mulheres.As mulheres russas queixam-se de que os homens não se esforçam por agradar porque estão convencidos de que são um exemplar raro. E a propaganda patriótica contribui para agravar o problema, por louvar exageradamente os homens. Finalmente, há uma pressão excessiva sobre as mulheres jovens: "quando é que casas? quando é que começas a ter filhos?"
E é neste clima que as ruas se enchem com a alegria e a animação dos estrangeiros. O Tinder está cheio de fãs de futebol, e as russas estão com vontade de experimentar algo novo, nem que seja um simples flirt, que é algo muito raro no seu quotidiano. Entretanto, os homens russos comportam-se como se pensassem que as mulheres são sua propriedade. Com algumas excepções, como o chefe de redacção do portal Sports.ru, que sintetizou assim: "as mulheres russas podem ter sexo com qualquer um que lhes pareça suficientemente atraente para isso".
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