Ontem, num corredor do aeroporto de Estugarda, a Christina pediu-me em português para chegar para o lado e ir mais devagar. Antes de me explicar porquê, o homem que ia ao lado dela comentou que é sempre um prazer ouvir falar a língua dele. Era português. Trocámos meia dúzia de frases, e depois foi cada um para a sua fila. A Christina disse-me, aliviada, que foi uma sorte não ter acabado a frase que me tinha querido dizer: "chega mais para o lado, porque não quero que este homem vá tão perto de mim, acho-o um bocado esquisito". Acontece-nos demasiadas vezes pensarmos que mais ninguém entende português, e falamos como se estivéssemos entre as nossas quatro paredes sem ouvidos.
Reencontrámo-lo na sala de espera do avião para Berlim. Vinha com um grupo de homens. Quando passei por ele, no avião, disse-me todo jovial "que pena não sentarem os portugueses todos juntos!"
Fomos sentadas duas filas atrás deles. Ouvia-os dizer "boa! ó boa!" sempre que passava uma hospedeira, e fiquei indecisa sobre a atitude a tomar. O avião levantou voo, e eu adormeci. À chegada, a Christina contou-me que tinham sido insuportáveis: tocavam a campainha exigindo a vinda da hospedeira vezes sem conta, ora porque queriam uma bebida, ora porque o copo já estava vazio e queriam que ela retirasse logo o lixo, ora porque queriam uma informação; falavam demasiado alto, como se não houvesse mais ninguém à volta, e só diziam ou palermices ou ordinarices.
Evitámo-los à saída do avião, mas quando nos dirigíamos para os transportes públicos ouvi um deles dizer "olha aquela gaja: vinha connosco no avião!"
"Aquela gaja" era eu. Antes que os outros respondessem no registo que já lhes conhecia de gingeira, parei e virei-me para eles, furiosa:
- Pensam que mais ninguém entende o que dizem? Eu ouvi, e fiquem sabendo que são extremamente desagradáveis!
O homem que estava mais perto de mim balbuciou:
- Não olhe para mim! Não era eu!
- Quero lá saber quem era! Eram vocês, este grupo de portugueses! Tenham vergonha!
Ficaram todos calados. Uns valentes...
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Lições que tiro para o futuro:
- Partir sempre do princípio que há alguém que entende a língua na qual estou a falar;
- Da próxima vez que vir cobardes como estes a gozar com as pessoas a coberto do desconhecimento da língua, aviso a pessoa que está a ser gozada. Ontem, devia ter chamado uma hospedeira, e informá-la sobre o que eles estavam a dizer dela e das colegas dela. Estou furiosa comigo por não o ter feito. Sinto que falhei à solidariedade e à decência.
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