O nosso 2017 terminou com um choque enorme: um amigo nosso - o vizinho que tantas vezes estava a grelhar no jardim quando eu passava com o Fox, e no regresso me convidava para provar a carne assada (para quem participou no passeio ao Douro que fizemos em Julho: o que fazia anos nesse dia e ao almoço pagou as bebidas de todos) - morreu inesperadamente durante o sono, dois dias antes do Natal. Tinha 56 anos.
"Em momentos destes, tudo passa para segundo plano", comentou o vizinho da casa em frente quando me deu a notícia, junto à ambulância que já não serviu para nada. Arranjámos maneira de fazer com que a mulher do nosso amigo viesse para Berlim sem desconfiar do que se tinha passado, recebemo-la e amparámos como pudemos a sua queda no abismo. Chorámos juntos. Fiz sopa para todos. Trouxe a família para a nossa casa, recebemos os amigos que iam chegando.
O nosso Natal, que estava a ser preparado com outra família, e prometia ser um tempo de calma e conforto, alargou-se para acolher a mulher e os irmãos em luto. Os vizinhos uniram esforços para ajudar e animar na medida do possível os familiares profundamente fragilizados.
Senti-me grata por todas as vezes em que conseguimos fazê-los rir e esquecer momentaneamente a dor: a noite de consoada, quando o vizinho da frente entrou pela nossa casa adentro com todos os parentes e uma bela garrafa de cognac; a leitura do Wladimir Kaminer, que fez as duas irmãs rir a bandeiras despregadas, e a Russendisko da qual as duas saíram a dançar abraçadas; o casal a contar histórias mirabolantes da vida louca que faziam antes de se terem conhecido e ganhado juízo; o vizinho que deixou duas rosas num jarro com água à entrada do jardim; as salsichas que grelhámos e comemos de pé, em homenagem ao amigo que partiu.
Esses, e tantos outros momentos em que alguém teve a coragem de visitar o sofrimento desta família, afirmaram o verdadeiro espírito de Natal.
Se o Natal não se fez para estas ocasiões, não sei para que poderá ter sido feito.
Uns dias mais tarde, num pequeno-almoço em família, a conversa acabou por desembocar na eventualidade de também nós morrermos assim inesperadamente. Respondemos aos nossos filhos com confiança: estes dias acrescentaram nomes aos que já tínhamos para lhes dar, e mostraram-lhes que ninguém é deixado sozinho com a sua dor e os seus problemas.
Sim, tivemos um bom Natal.
Permitiu-nos perceber que não se trata de "fazer aos outros como quero que me façam a mim", é maior que isso, é sobre o nosso mundo. O mundo é aquilo que nós fazemos nele.
Deixo aqui algumas imagens do Natal que também coube neste Natal.
3 comentários:
É sempre uma maravilha lê-la. Obrigada.
MJ
É sempre uma maravilha lê-la. Obrigada.
Feliz Ano Novo!
MJ
Obrigada! Um bom ano também para si.
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