Voltando a usar o blogue para arquivar o que aparece e desaparece na voragem do facebook, aqui deixo alguns "posts roubados":
1.
Björk, aqui com a participação de Antony Hegarty, em "The dull flame of desire" (Eu vejo a entorpecida chama do #desejo),
a partir da tradução para inglês de um poema de Fyodor Tyutchev, o
mesmo que é declamado na cena final do filme Stalker, de Andrei Tarkovsky.
Parece que Dostoyevski considerava Tyutchev o melhor poeta russo e era capaz de ter razão.
I love your eyes, my dear
Their splendid sparkling fire
When suddenly you raise them so
To cast a swift embracing glance
Like lightning flashing in the sky
But there's a charm that is greater still
When my love's eyes are lowered
When all is fired by passion's kiss
And through the downcast lashes
I see the dull flame of desire
--/--/--/--/--
Eu amo os teus olhos, meu amor
A sua esplêndida, radiante chama
Quando por um instante tu os levantas
Ligeiramente para lançar um olhar aconchegante
Como um relâmpago cortando o céu
Mas há um encanto maior ainda
Quando os olhos do meu amor estão baixos
No calor de um beijo apaixonado…
E por entre os cílios baixos
Eu vejo a entorpecida chama do desejo
2.
É uma tetralogia de peso: Mozart, Angelin Preljocaj, Aurélie Dupont e Manuel Legris.
A propósito de #desejo. A propósito de quase tudo __________
[E agora acrescento eu: reparem no beijo, a partir de 5:15.
Melhor dizendo: reparem em tudo.]
3.
Do Desejo
“Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.”
Hilda Hilst, Do Desejo, 1992
4.
Embora o desejo pareça uma pulsão clara de aproximação entre dois seres, a primeira coisa que ressalta é a sua complexidade. Drummond de Andrade, grande poeta brasileiro, no seu poema "Destruição", faz esta afirmação espantosa: "Dois amantes que são? Dois inimigos".
E, se, de acordo com a definição de S.B. Levine, o desejo pressupõe uma boa saúde física, psíquica e relacional, a sua verdadeira natureza é a ambivalência.
Ambivalência que se traduz nestas antíteses poéticas (lembremo-nos de “O amor é um contentamento descontente”, de Camões, e de Petrarca:"Ó morte viva! Ó mal delicioso!"), e ainda na semântica da aproximação amorosa (a conquista, o cerco, a luta, o desafio, a rendição); em suma, uma relação ritualizada e não-consciente de luta pela conquista do outro, o que pressupõe "entrar" no seu território, isto é, na sua intimidade.
Esta vulnerabilidade gera tensões, medos, respostas agressivas, desejo de afastamento. Por mais que o outro seja desejado, é também temido. Os amantes, depois da fase de deslumbramento, ou seja, de permissividade territorial, facilmente entram em conflito e agridem - por silêncios, palavras, ausências - e afastam-se simbolicamente. Perante a ameaça da perda o desejo aumenta e os amantes reaproximam-se.
6.
Parece que Dostoyevski considerava Tyutchev o melhor poeta russo e era capaz de ter razão.
I love your eyes, my dear
Their splendid sparkling fire
When suddenly you raise them so
To cast a swift embracing glance
Like lightning flashing in the sky
But there's a charm that is greater still
When my love's eyes are lowered
When all is fired by passion's kiss
And through the downcast lashes
I see the dull flame of desire
--/--/--/--/--
Eu amo os teus olhos, meu amor
A sua esplêndida, radiante chama
Quando por um instante tu os levantas
Ligeiramente para lançar um olhar aconchegante
Como um relâmpago cortando o céu
Mas há um encanto maior ainda
Quando os olhos do meu amor estão baixos
No calor de um beijo apaixonado…
E por entre os cílios baixos
Eu vejo a entorpecida chama do desejo
2.
É uma tetralogia de peso: Mozart, Angelin Preljocaj, Aurélie Dupont e Manuel Legris.
A propósito de #desejo. A propósito de quase tudo __________
[E agora acrescento eu: reparem no beijo, a partir de 5:15.
Melhor dizendo: reparem em tudo.]
3.
Do Desejo
“Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.”
Hilda Hilst, Do Desejo, 1992
4.
Teorias
do desejo, há muitas. Lacaniana me confesso: o maior prazer está no
desejo em si, e não na sua satisfação (que é o fim do desejo). Sendo
embora verdade que se possa incluir entre os objetos de desejo tanto uns
bolinhos de bacalhau quanto um belo casaco, a palavra remete para a
sexualidade em primeiro lugar – portanto, por uma vez sem exemplo,
esqueço aqui os bolos de bacalhau.
Muitas formas tem o desejo. Uma das minhas favoritas é Desire, personagem da série “The Sandman” (1989-1999), novela gráfica nascida da imaginação delirante de Neil Gaiman. Desire é uma reformulação de Eros, de quem mantém o caráter caprichoso, a força anárquica e socialmente subversiva que é necessário domesticar. Mas é possível domesticar o caos? Desire é o mais cruel dos 7 irmãos Endless, tendo um poder medonho sobre todos, humanos e imortais: apenas Death não o teme, e apenas Despair, sua irmã gémea, o ama.
Somos todos criaturas suas.
5.
A AMBIVALÊNCIA DO DESEJOMuitas formas tem o desejo. Uma das minhas favoritas é Desire, personagem da série “The Sandman” (1989-1999), novela gráfica nascida da imaginação delirante de Neil Gaiman. Desire é uma reformulação de Eros, de quem mantém o caráter caprichoso, a força anárquica e socialmente subversiva que é necessário domesticar. Mas é possível domesticar o caos? Desire é o mais cruel dos 7 irmãos Endless, tendo um poder medonho sobre todos, humanos e imortais: apenas Death não o teme, e apenas Despair, sua irmã gémea, o ama.
Somos todos criaturas suas.
5.
Embora o desejo pareça uma pulsão clara de aproximação entre dois seres, a primeira coisa que ressalta é a sua complexidade. Drummond de Andrade, grande poeta brasileiro, no seu poema "Destruição", faz esta afirmação espantosa: "Dois amantes que são? Dois inimigos".
E, se, de acordo com a definição de S.B. Levine, o desejo pressupõe uma boa saúde física, psíquica e relacional, a sua verdadeira natureza é a ambivalência.
Ambivalência que se traduz nestas antíteses poéticas (lembremo-nos de “O amor é um contentamento descontente”, de Camões, e de Petrarca:"Ó morte viva! Ó mal delicioso!"), e ainda na semântica da aproximação amorosa (a conquista, o cerco, a luta, o desafio, a rendição); em suma, uma relação ritualizada e não-consciente de luta pela conquista do outro, o que pressupõe "entrar" no seu território, isto é, na sua intimidade.
Esta vulnerabilidade gera tensões, medos, respostas agressivas, desejo de afastamento. Por mais que o outro seja desejado, é também temido. Os amantes, depois da fase de deslumbramento, ou seja, de permissividade territorial, facilmente entram em conflito e agridem - por silêncios, palavras, ausências - e afastam-se simbolicamente. Perante a ameaça da perda o desejo aumenta e os amantes reaproximam-se.
6.
A FALÁCIA DO DESEJO
Vivemos aparentemente numa sociedade hipersexualizada, mas uma boa parte disso pertence ao mundo da ficção: refiro-me ao cinema e tv e à publicidade. Na verdade, em 2008, os valores ingleses para a prevalência das perturbações do desejo sexual hipoativo eram de 32% das mulheres e 15% dos homens. (what a world!!!)
Sendo um problema comum aos dois sexos, as suas determinantes são diferentes: enquanto que nos homens existe uma relação clara entre níveis de testosterona e desejo, nas mulheres, as relações entre doseamentos hormonais e desejo são apenas uma parte da questão, e de modo nenhum a mais importante.
Foi Helen Singer Kaplan (foto) que, com a sua obra "The new sex therapy" de 1974 primeiro chamou a atenção para as perturbações do desejo em Sexologia, considerando-o como uma das fases da resposta sexual humana.
Combinando vários saberes que até então estavam demasiado compartimentados, (visto que era simultaneamente psiquiatra, psicóloga e psicanalista), ela rompeu com o anterior modelo de Masters e Johnson, cuja visão exclusivamente comportamental, se bem que eficaz, era limitada, visto que não tomava em consideração o desejo.
Comentário a este post: Algures nos meados dos anos 80 assisti a uma preleção com o Francisco Allen Gomes e nunca mais esqueci de ele dizer "à mesa do café é uma por dia se não forem mais... com sorte até pode ser uma por mês"
Vivemos aparentemente numa sociedade hipersexualizada, mas uma boa parte disso pertence ao mundo da ficção: refiro-me ao cinema e tv e à publicidade. Na verdade, em 2008, os valores ingleses para a prevalência das perturbações do desejo sexual hipoativo eram de 32% das mulheres e 15% dos homens. (what a world!!!)
Sendo um problema comum aos dois sexos, as suas determinantes são diferentes: enquanto que nos homens existe uma relação clara entre níveis de testosterona e desejo, nas mulheres, as relações entre doseamentos hormonais e desejo são apenas uma parte da questão, e de modo nenhum a mais importante.
Foi Helen Singer Kaplan (foto) que, com a sua obra "The new sex therapy" de 1974 primeiro chamou a atenção para as perturbações do desejo em Sexologia, considerando-o como uma das fases da resposta sexual humana.
Combinando vários saberes que até então estavam demasiado compartimentados, (visto que era simultaneamente psiquiatra, psicóloga e psicanalista), ela rompeu com o anterior modelo de Masters e Johnson, cuja visão exclusivamente comportamental, se bem que eficaz, era limitada, visto que não tomava em consideração o desejo.
Comentário a este post: Algures nos meados dos anos 80 assisti a uma preleção com o Francisco Allen Gomes e nunca mais esqueci de ele dizer "à mesa do café é uma por dia se não forem mais... com sorte até pode ser uma por mês"
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