12 janeiro 2018

o melhor do meu dia


Ontem fui a uma advogada com a minha amiga que perdeu o companheiro antes do Natal. Ela tinha umas perguntas a fazer sobre questões de herança, mas a advogada disse-lhe "minha senhora, não tem direito a nada. Não era casada, não tinha papéis, não há testamento - é como se se tivessem separado. Para todos os efeitos, o seu companheiro abandonou-a".

Já vi elefantes em lojas de porcelana a ter um comportamento mais sensível, mas não se perdeu tudo: à entrada do prédio havia dois espelhos frente a frente, fazendo aquele túnel infinito que desde sempre me fascinou, de modo que nos pusemos a tirar fotografias. Até que um vizinho chegou, e nós disfarçámos e pusemo-nos a andar para fora dali. Queríamos ir conversar num café, mas como não conhecíamos a zona, tocámos à campainha de um escritório para pedir indicações. Do lado de lá ouvimos alguém a tentar abrir a porta, a chave a rodar na fechadura uma e outra vez, nova tentativa. Até que finalmente a porta abriu, e mostrou dois homens com ar simpático. "Desculpe!", disse eu, "não pensava que ia dar tanto trabalho! De facto, só queria perguntar se nos pode indicar um café agradável aqui na zona". Riram, entreolharam-se, consultaram-se, e lá nos disseram em que direcção devíamos ir.

Depois do café fui a correr para o concerto na Filarmonia, com o maestro Sir Antonio Pappano e a soprano Véronique Gens. Desta vez (não perguntem como é que isto me acontece, que também não sei) tinha bilhete no bloco A. Mas quando o maestro entrou, tive pena de não estar nos bancos de pau por trás da orquestra, a vê-lo de frente. Um espectáculo! Vejam aqui o trailer do concerto, observem bem o maestro.

Quando estava a regressar a casa, a minha amiga telefonou-me oferecendo-se para me vir buscar à estação de comboio. Depois convidou-me para um último copo de vinho na casa dela. A verdade é que eu estava a morrer de cansaço, mas depois de um dia tão traumático não a podia deixar a beber sozinha. Falámos mais uma vez daquilo que nos deixa a todos chocados: a naturalidade com que acreditamos que a morte não é uma possibilidade, com que adiamos decisões importantes como escrever um testamento ou mudar um nome de beneficiário de seguro de vida. Depois falámos no boião de vidro que lhe dei na passagem de ano, com a promessa de um ano bom. Ela ainda não tinha escrito nada, disse-me, porque por estes dias quase nada de bom lhe acontece.

Quando me fui embora, vi pela janela que a minha amiga estava a escrever numa das folhinhas do boião. E isso foi o melhor que me aconteceu esta semana: no dia em que uma advogada insensível lhe disse frases devastadoras, a minha amiga conseguiu encontrar algo de positivo para escrever e iniciar uma colecção de momentos bons do ano.

2 comentários:

Paulo Topa disse...

Fantástico! Que bom! É os ciscos sempre a chatear-me. Como é óbvio não conheço a sua amiga, mas, ainda que imaginariamente, dou-lhe um abraço!

Paulo disse...

Mas que coisa tramada! Um beijinho à Anke.