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Ontem, no centro de Berlim, foram lembradas as doze vítimas mortais do atentado no mercado de Natal de 19.12.2016. Foi inaugurado um memorial - uma fractura que se estende pelo passeio, ao longo de 17 metros, preenchida com um metal dourado. Às 20:02, a hora a que o atentado teve lugar, os sinos da Gedächtniskirche tocaram durante doze minutos. No Parlamento berlinense, o presidente de Berlim pediu aos feridos e aos familiares das vítimas desculpa pelos erros cometidos pelo Estado, que não soube proteger os cidadãos.
Tudo isto é digno e está muito certo.
Mas ninguém sente necessidade de falar das doze pessoas que morreram faz hoje 14 anos num acidente de autocarro na fronteira entre a Bélgica e a Alemanha, ou nas dezoito que morreram em Julho deste ano noutro acidente de autocarro na auto-estrada entre Berlim e Munique. Em Junho de 2018 não vai haver qualquer cerimónia para lembrar essas 18 pessoas.
Ninguém fala das estradas portuguesas onde todos os anos morrem mais de quatrocentas pessoas, ou nas alemãs, onde anualmente morrem mais de três mil. Num ano só as estradas portuguesas fazem mais vítimas que o terrorismo islâmico fez até agora em toda a Europa, e as estradas alemãs fazem mais vítimas que o terrorismo islâmico fez até agora em todo o Ocidente, 11 de setembro incluído - mas nenhum político vê necessidade de pedir desculpa no parlamento pelo facto de o Estado não saber proteger os cidadãos.
A onda de comoção que percorre as redes sociais quando há um ataque terrorista contra o ocidente não se estende a outras tragédias. Há quem diga que as ondas "je suis" se justificam porque as cidades atacadas são parte da nossa vida. No entanto, apesar de todos andarmos de automóvel e transportes públicos, quando há tragédias na estrada o facebook não se enche de fotos de perfil marcadas com "je suis autocarro" ou "je suis acidente rodoviário".
Porquê esta diferença?
Porque é que não reagimos em relação a um condutor que matou pessoas por conduzir embriagado com o mesmo repúdio que temos para com um tresloucado filho de muçulmanos?
Porque é que muitos dos que exigem ao Estado que feche as fronteiras a "essa gente", para garantir a nossa segurança, não se lembram de exigir que o Estado tire a carta de condução a quem, por incúria, tenha provocado um acidente com vítimas mortais ou feridos graves?
Porque é que nos habituámos aos irresponsáveis e aos incompetentes na estrada (quantos de vocês já telefonaram à polícia a denunciar um condutor cujo comportamento põe em risco a vida de terceiros?) e exigimos do Estado segurança absoluta contra o terrorismo?
E porque é que insistimos em mostrar abertamente o choque e o medo perante um acto de terrorismo, mesmo sabendo que estamos a fazer o jogo das organizações terroristas, que colhem nas nossas reacções o material de que precisam para seduzir e angariar terroristas para o ataque seguinte?
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