05 março 2017

um país que recuperou a autoconfiança

Há dias andei à procura na internet de uma tradução de "Geringonça" para alemão. Encontrei várias, e uma delas num artigo de um dos diários mais importantes da Suíça, o Neue Zürcher Zeitung.

Não está muito bem escrito, mas achei curioso ler em alemão um elogio à geringonça, e por isso aqui deixo a tradução (rapidíssima, como de costume):


O caminho de Portugal para sair da crise

Um país que recuperou a autoconfiança

Thomas Fischer, Lisboa, 5.1.2017


Portugal está a sair da sua depressão. O défice estatal está a baixar, há mais crianças a nascer. Apesar de o país ter virado à esquerda, não se instalou o caos.

Aos 43 anos, Ana deu à luz um filho há poucas semanas. A gravidez não foi planeada, mas Ana e o marido não pensaram em abortar. "Se isto nos tivesse acontecido há três anos, não teríamos reagido com tanta calma", reconhece a lisboeta, que também tem uma filha de nove anos. Portugal estava então atolado numa crise profunda, Ana temia perder o seu emprego, teve de aceitar reduções no ordenado devido à crise.
Há três anos, Portugal estava ainda sob a alçada da troika do FMI, do BCE e da Comissão Europeia, que em 2011 concederam ao país altamente endividado um crédito de ajuda em condições muito duras. Para sanear as contas públicas, um governo conservador quis pôr em prática o "plano de ajuda" para três anos da troika "custasse o que custasse" - o que se revelou inesperadamente difícil. Para piorar, entre 2011 e 2013 o desemprego subiu de 11% para 16%, apesar da emigração em massa.

Uma sensação libertadora

Em meados de 2014 a troika saiu do país. Na economia observou-se outra vez uma ligeira melhora. Entretanto, a taxa de desemprego baixou para 10,5%. No sector retalhista, as vendas de Natal em 2016 correram bem como há muito tempo não se via. E no ano novo o poder de compra deve aumentar: o salário mínimo vai subir de 530 para 557 euros. Em Novembro de 2015 chegou ao poder um governo minoritário socialista, com o primeiro-ministro António Costa. Ao contrário do governo conservador, o novo governo tinha urgência em desfazer as medidas austeritárias devidas à crise.
O marido de Ana teve um novo aumento de ordenado. Ainda não é o mesmo que ganhava antes da crise, "mas o simples facto de não haver ninguém a apelar constantemente para que apertemos ainda mais o cinto dá-nos uma sensação libertadora". Nos parques, parece haver mais famílias com carrinhos de bebé e mais mulheres grávidas do que acontecia há alguns anos. Uma farmacêutica lisboeta está satisfeita com o leve aumento da procura de produtos de puericultura - ela que durante vários anos sentiu o efeito das medidas governamentais, medidos pela descida das vendas de medicamentos. As estatísticas confirmam que depois de uma ruptura drástica, o número de nascimentos recomeçou a aumentar.
Se em 2010 nasceram quase 101.400 crianças, em 2014 (o último ano sob a alçada da troika) esse número baixou para 82.400, e em 2015 subiu para 85.500. Este ano espera-se novo crescimento. No entanto, o número de mortes continua a ultrapassar largamente o número de nascimentos. Também nas ruas se nota que o ambiente melhorou, como dizia o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa entrevista ao NZZ. O presidente, que foi eleito em Janeiro pela maioria conservadora, tem-se entendido muito bem com o governo minoritário socialista de António Costa. Este tem sido olhado do exterior com atento cepticismo, uma vez que está dependente do apoio parlamentar de um partido comunista antiquado e antieuropeu e do bloco de esquerda marxista alternativo.

Qual diabo?

Durante décadas, os socialistas - adeptos da UE e da Nato - e os comunistas eram inimigos. Após as eleições de 2015 os partidos mais à esquerda disponibilizaram-se para apoiar o governo minoritário de Costa - o que este celebrou como "a queda de um muro". Um colunista criou um nome para esta maioria: geringonça. Até agora, os medos em relação aos comunistas revelaram-se exagerados. Pedro Passos Coelho, que até Novembro de 2015 foi o primeiro-ministro do governo conservador, chegou a prever, em Junho, a vinda do "diabo". Repetidamente alertou para os riscos de um abandono precipitado do seu rumo de estabilização e uma nova subida da dívida pública, que tinha sido reduzida com tanto esforço. Mas o diabo faz-se esperar. Mais ainda: a geringonça tem-se revelado surpreendentemente resistente. O bloco e os comunistas continuam a rejeitar as imposições orçamentais da UE. Em conjunto com os socialistas, que são inteiramente fiéis à UE, votaram pelo recuo no aumento dos impostos e na redução de salários, e também pela reposição de quatro feriados que tinham sido abandonados. E deram sinais próprios, como por exemplo no aumento das reformas.

Leis novas que provocam melhorias

Para o novo governo, nem tudo correu como planeado, particularmente a nível financeiro, uma vez que a economia não cresceu tanto quanto se esperava. Para não quebrar uma promessa eleitoral com a subida de impostos directos, aumentou vários impostos indirectos. Contra todas as previsões dos cépticos, o défice público de 2016 deverá - finalmente - ficar abaixo dos 3% do PIB. O clima sóciopolítico no país melhorou. Não é que a união de sindicatos de esquerda, a CGTP, com a sua direcção influenciada pelos comunistas, tenha perdido a vontade de combater. Mas o seu apelo a uma jornada de greve no sector público, contra a não subida de ordenados que o governo planeava, pareceu mais um sinal folclórico de vida da esquerda à esquerda dos socialistas. Contando desde o início da crise financeira, 2016 é o ano em que menos greves se realizaram.
Houve mudanças na política social. A maioria de esquerda aprovou a adopção por casais do mesmo sexo. E não é por acaso que este governo leva a cabo uma reforma das florestas para enfrentar o problema recorrente dos fogos florestais. A reforma criou base legal para entregar provisoriamente a empresas florestais a exploração de terrenos abandonados e com proprietário desconhecido.


Nunca mais contar trocos

Portugal tem batido ano após ano todos os recordes como destino turístico mas, para muitos dos seus habitantes, não é o lugar ideal para viver. Em 2015, a população reduziu devido ao reduzido número de nascimentos e aos movimentos fortes de emigração. Mas essa tendência inverteu-se. O número dos expatriados permanentes deve ter baixado para 40.000 em 2015.
Quem saiu do país tem dificuldade em voltar. É o caso de Laura, 30 anos, dos arredores de Lisboa. Em 2014 foi para Inglaterra com o marido e o filho de 3 anos, e não pensa em voltar nos próximos cinco anos. O marido tem emprego numa fábrica. Ela trabalha como empregada de mesa, mas quer formar-se como educadora de infância. Aprecia o elevado poder de compra na Inglaterra, o não ter de passar a vida a contar trocos, e a segurança social.   
Tudo isto conta mais para ela que os índices estatísticos que apontam para melhorias no seu país, no qual ter um emprego não é garantia de receber o salário no fim do mês. Ela e o marido querem ter um segundo filho, mas não o querem ter em Portugal. No entanto, Laura queixa-se de ter saudades. E contra isso, só há uma solução: regressar.


1 comentário:

Baltazar Garção disse...

Interessante, mas típico do discurso jornalístico: muita "informação", aos montes, mas desconexa, descontextualizada e desorganizada. Já para não dizer levemente preconceituosa...

Parece que tudo em Portugal aconteceu por acaso, eventualmente por obra e graça do... Espírito Santo (irónico, pois...)!

Qualquer suíço interessado que leia este relato arrisca-se a ficar ainda com mais dúvidas sobre a realidade portuguesa do que antes de o ler, tantas são as incongruências:

- o Governo que "apenas" aplicou a receita da "tróica", coitado, e assim "salvou" Portugal não foi reconduzido? Povo ingrato...

- a austeridade da "tróica" só deu resultados positivos anos depois, para mais com um Governo apoiado por "comunistas antiquados" e "marxistas radicais"? Inexplicável...

- o défice diminui (drasticamente!) e o emprego, o investimento e a confiança crescem (e até a taxa de natalidade, imaginem!) quando os destinos do País são de novo confiados... aos responsáveis pela "bancarrota"? Um mistério...

- o Presidente da República "conservador" apoia, com entusiasmo, esta originalidade europeia, a que até alcunharam, pejorativamente, de "geringonça"? Um País de doidos, é o que parece...

E assim se comprova, mais uma vez, que o jornalismo de "atualidades" pode ser muito desinformativo...

E já nem falo do jornalismo tablóide, do tipo correio da manha, tvi, sol, ou sic, mas da imprensa com um mínimo qualidade - algo que hoje, em Portugal, já mal sabemos o que seja - incluindo as antigas referências magnas, como o dn, a tsf, o expresso e até o público (já para não falar do defunto i, do observador e dos pasquins económicos)...

Valha-nos alguma Imprensa internacional e os bons "blogues" - e livros, claro, sempre.