06 março 2017

último fim-de-semana da Berlinale 2017


(Mais um daqueles posts que ninguém precisa de ler, mas como diz que isto é um diário digital permito-me registar aqui os filmes que vi, que é uma maneira de ir deixando bocadinhos de pão na floresta, para o caso de mais lá para a frente me cruzar com um Alzheimer que me queira trocar as voltas.)


1.



Bones of contention, de Andrea Weiss. Um documentário sobre as atrocidades do regime franquista, em particular contra os homossexuais, e sobre o debate em curso na sociedade espanhola que opõe a necessidade de fazer o trabalho da História ao pavor de se confrontar com ela. Partindo de Federico García Lorca - a pessoa, a poesia e o mistério do seu corpo desaparecido - o filme informa sobre terríveis crimes cometidos nesse período negro da História de Espanha, o modo como permaneceram muito para além da morte de Franco e o papel do silêncio no insidioso prolongamento das injustiças e das ofensas à dignidade humana.
Uma passagem particularmente curiosa é a conversa entre uma lésbica e um homossexual sobre o que é mais doloroso: a perseguição, a prisão, a tortura e os choques eléctricos para curar a homossexualidade (o que o regime fazia aos homens) ou a condição de inexistência absoluta (reservada às lésbicas - que pura e simplesmente não existiam).



2.

No sábado à tarde fui à entrega dos prémios de filmes infantis. A publicidade e eu: tiro e queda. Só de ouvir as referências elogiosas, fiquei com muita vontade de ver alguns dos premiados, em particular:
- o documentário do sul-coreano Chang-Yong Moon Becoming who I was: um miúdo no qual se acredita ter reincarnado um mestre budista, e o percurso de amadurecimento para tocar o seu destino (o júri disse que é uma criança que tem muito para nos ensinar);
- Estiu 1993, de Carla Simón;
- Aaba, de Amar Kaushik;
- A animação curta Sabaku, de Marlies van der Wel ("premiada pela alegria", disseram).

A curta que ganhou o Urso de Cristal, Promise, de Xie Tian, é um filme muito triste e doce sobre uma tragédia que atinge 60 milhões de crianças chinesas: o abandono temporário por parte dos pais, que vão trabalhar para longe. Belíssimo e pungente.




A longa-metragem que ganhou o Urso de Cristal foi a história de duas crianças que encontram um refúgio longe das contradições dos adultos, no qual inventam para si uma família: Piata lod', de Iveta Grófová.


3.



Casting JonBenet, de Kitty Green. Quem é que se lembraria de tentar esclarecer um mistério por meio de um casting de actores para um filme sobre essa história?
Não sei se chegaram muito longe, porque tentei ver o filme naquele último sábado da Berlinale, quando estava a chocar uma gripe, e os cadeirões do Zoo Palast jogaram contra mim. Aquilo não são cadeirões, aquilo são camas de encosto reclinável de luxo. Volta e meia abria um olho, pensava "caramba, este filme é interessante!" e voltava a fechá-lo. Espero não ter ressonado muito. Espero ter aprendido a lição: quanto mais perto do fim estiver a Berlinale, mais desconfortáveis devem ser as cadeiras. O melhor é ir ver só filmes no Friedrichstadt Palast, com menos espaço que na classe económica dos aviões.


4.




Félicité, de Alain Gomis. O filme tem algumas dificuldades de ritmo, mas mostra um ambiente - mais que uma história - de esperança e impotência, alegria e sofrimento em Kinshasa. Fortíssimo o trecho que retrata o percurso daquela mulher para tentar arranjar dinheiro para pagar a operação do filho.
Recebeu o Urso de Prata. 


5.



A minha Berlinale 2017 terminou com chave de ouro: Pokot, de Agnieszka Holland. Um filme com excelente ritmo e fotografia, cheio de elementos inesperados e misteriosos (como os animais selvagens cujo olhar observa e acusa), e com uma mulher absolutamente cativante (entre uma Miss Marple e uma esotérica ecologista) numa Polónia rural atravessada pela crueldade da caça.
Recebeu o Urso de Prata - prémio Alfred Bauer.


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