Foi com certeza mera coincidência, mas acertou em cheio: a 27 de Janeiro, Dia Internacional da Memória das Vítimas do Holocausto, Trump assinou um decreto presidencial para proibir por tempo indeterminado a entrada no país de refugiados sírios, congelar por quatro meses a entrada de refugiados provenientes de outros países e fechar as fronteiras por três meses a pessoas de sete países muçulmanos - mesmo as que têm autorização de residência nos EUA. Também anunciou que vai dar prioridade à entrada de refugiados cristãos. O decreto entrou imediatamente em vigor, pelo que quem já estava num avião a caminho dos EUA foi barrado no aeroporto de chegada. 
Contra esta sinistra lógica do "nós contra os outros", dou a palavra a um israelita, Chemi Shalev:
(Para quem não sabe: o St. Louis era o navio que saiu de Hamburgo em
 Maio de 1939 com 937 passageiros a bordo, quase exclusivamente judeus 
que tentavam escapar à Alemanha nazi. Iam para Cuba, mas não 
puderam desembarcar porque esse país tinha acabado de mudar as regras de
 vistos. Também não os deixaram desembarcar nos EUA. Regressaram à Europa, e foram acolhidos in extremis pelo Reino Unido, a Bélgica, os Países Baixos e a França. Quando a guerra começou e a Alemanha invadiu os países 
vizinhos, essas pessoas foram de novo capturadas nas redes do seu cruel inimigo. 254 morreram vítimas do Holocausto.)
A explicação dada para estas medidas é proteger os americanos contra ataques terroristas. Não querem "importar" terroristas islâmicos. Sendo assim, pergunta-se porque é que resolveram bloquear a entrada de pessoas da Síria, do Irão, da Líbia, da Somália, do Iémen, do Iraque e do Sudão, que são países sem qualquer ligação aos terroristas envolvidos em ataques nos EUA desde o 11 de Setembro, e, em contrapartida, não impuseram qualquer limitação aos países ligados a esses terroristas (Arábia Saudita, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Líbano, Rússia e Paquistão). Curiosamente, Trump tem interesses empresariais em três destes países: Arábia Saudita, Egipto, Emirados.
[ADENDAS, a 31.01.2017: 
1. Os sete países a que este decreto diz respeito foram escolhidos pelo 
governo de Obama. As excepções ao seu Visa Waiver Program, que criaram 
entraves a pessoas de determinados países, ou com dupla nacionalidade 
mas que tivessem visitado esses países depois de 2011, foi muito 
criticado e sujeito a algumas alterações. Mas é um facto que os sete 
países em causa foram escolhidos quando Obama estava no poder - o que me
 obriga a retirar a acusação de não terem sido escolhidos outros devido a
 interesses empresariais de Trump.
2. A quem diz que Obama fez o mesmo que Trump, e só não foi criticado por ser o Obama, faço notar que:
- foi muito criticado (e com razão);
- apesar dos países excluídos do Visa Waiver Program, mais de 40% dos 
86.000 refugiados que entraram nos EUA no ano fiscal de 2016 eram 
provenientes de alguns desses sete países (Síria, Somália, Irão e 
Iraque);
- há uma diferença entre mudar as regras para concessão de vistos e alterar abruptamente as regras do jogo, apanhando inteiramente desprevenidas as pessoas já em trânsito para os EUA;
- há uma diferença entre a medida em si, e o contexto em que surge: as medidas - criticáveis - de Obama não tiveram nos sectores ultraconservadores, islamofóbicos e racistas o impacto electrizante das de Trump. 
Ler ainda: Sorry, Mr. President: The Obama Administration Did Nothing Similar to Your Immigration Ban ]   
Está a acontecer à nossa frente. E eu começo a perceber melhor uma frase que li de alguém que viveu nos anos trinta na Alemanha. Dizia que de repente as pessoas começaram a voltar-se para o lirismo, a fazer poemas sobre a natureza, coisas assim. Esta semana tive algumas vezes vontade de deixar de ver o noticiário e de ler os jornais. A rapidez e a dimensão da desumanidade e do cinismo dão vertigens.
1 comentário:
Helena,
se calhar não há coincidências, mesmo...
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