19 maio 2016

"caixa"

A minha estreia numa loja nos EUA: cheguei à caixa, mostrei o que queria comprar, e a senhora perguntou:
- How are you today?
Apanhada completamente desprevenida:
- Well, ahem, fine, fine. Thank you.
A pensar: que maravilha de país, têm atendimento psicológico nas caixas das lojas!

(Por sorte o meu filho mais novo já chegou à fase em que não se envergonha de mim. Até me pede para ser natural à frente dos amigos dele, diz que quando começo a meter água sou muito divertida.)

(Nós tínhamos dos nossos pais uma ideia completamente diferente, não era? Estávamos muito longe de os conhecer por dentro, como os nossos filhos nos conhecem. Será que eles disfarçavam muito bem, ou já estavam realmente completos e adultos como os imaginávamos, ou não se podiam dar ao luxo de tirar a máscara nem perante eles próprios?)


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Uma vez (desconfio que quando o pessoal lê os meus "uma vez" pensa "oh, não! lá vem ela com o uma vez outra vez!") os meus irmãos viram um esquilinho amoroso à venda no mercado do Bolhão, e convenceram o pai que era mesmo mesmo mesmo o presente de anos que a mãe ia adorar (o aniversário dela era o que estava mais a jeito para o caso). A contragosto, o pai lá deu os 500 escudos para o comprar - uma fortuna.
Os rapazes foram ao Bolhão, e quando descobriram que a gaiola não estava incluída no preço não se atrapalharam, nem ficaram em choque, nem nada: compraram o bicho, e trouxeram-no para casa numa caixa de sapatos com buraquinhos no cartão para ele poder respirar.
O resto, é uma história mirabolante de uma miúda de seis anos que vai espreitar o esquilo, do esquilo a aproveitar para fugir da caixa - mas como este é o momento em que a caixa sai desta história, não conto do pandemónio que foi para o tentar apanhar, nem de ele ter mordido o meu irmão que se tinha protegido com uma luva de pano (hihihihi, uma luva de pano!), nem da minha mãe a telefonar ao hospital a perguntar se o bicho teria raiva, nem do meu pai a mandar comprar uma gaiola e depois, quando chegou a casa, a fazer um corredor entre o sítio onde a pobre criatura se escondera e a gaiola, e a resolver o problema em menos de um minuto. Pobre esquilinho. Morreu pouco depois. Se calhar, era o meu irmão que tinha raiva...


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Na nossa casa havia uma caixa destas. Era de mil novecentos e vinte e pouco, e imagino o meu avô a encomendá-la de Paris, feliz que estava com a chegada do filho. Em criança, passei horas sem fim a estudar-lhe o mecanismo, e mais horas ainda a dançar uma coisa a que chamava "ballet" ao som daquelas músicas (por sorte, ninguém viu). Tinha uma boa dúzia de melodias, e podia-se escolher repetir sempre a mesma, ou tocar a sequência. Só não tinha a opção de sequência aleatória. Nem sequer passou a ter depois de eu a ter estudado por todas as formas, e em particular pelo método experimental.


1 comentário:

Cristina Torrão disse...

Nunca tiravam a máscara, era a maneira de se imporem.