13 abril 2016

"templo"

Da primeira epístola aos Coríntios, 6:18-20:

"Fugi da fornicação. Todo o pecado que o homem comete é fora do corpo; mas o que fornica peca contra o seu próprio corpo. Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus."

Aquela coisa do corpo como templo do Espírito Santo atormentou-me a infância e a adolescência. Já não me lembro bem, mas parece-me que foi na catequese (ou no livro com uma lista de pecados, que havia na casa da minha avó, e me dava muito jeito para a check list antes de ir à confissão) (o problema era se perdia a minha check list, e os meus irmãos a apanhavam e liam) (é tão triste ser criança! como é possível ficar embaraçada por alguém ler aquela lista de pecadilhos "bati nos meus irmãos / desobedeci aos meus pais / não devolvi um livro que me emprestaram / deixei-me conduzir pela soberba numa discussão com a minha melhor amiga"?) (isto de uma pessoa se sentir embaraçada por tão pouco era tema para ontem, para "segredo": não importa o conteúdo do segredo em si, mas o facto de o seu dono não o querer devassado) foi na catequese, dizia, que me incutiram a ideia deste corpo exterior a mim, que era mais e melhor que eu. A princípio, bem foi: os meus pais que nem se atrevessem a bater no templo do Espírito Santo, até havia uma anedota para essa cena. Mas depois vieram os pecados contra a castidade ("sozinha ou acompanhada?", perguntava o cusco do padre), e aquele sentimento de haver algo errado na obrigação de escolher entre o ser e o dever ser. Na adolescência, os jovens católicos aprendem uma de duas coisas: ou a afastar-se da Igreja, ou a viver em hipocrisia.

E agora não sei quem mais se alegra: se o Espírito Santo, a dar um suspiro de alívio e a dizer ao São Paulo "eu bem te disse que andavas a precisar de umas valentes sessões de psicanálise" (o Sigmund Freud esfregará as mãos de contente, e o Nathan Ackerman virá juntar-se à conversa - a vantagem da vida depois da vida é que se pode fazer uma terapia familiar muito catita, juntando todas as gerações, para descobrir afinal que é Eva quem tem a culpa de tudo), se o diabo, que vai encomendar mais uns bons nacos de banha para fazer de mim rojões à moda do Minho, quando chegar a minha hora.


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