O artigo de um jornalista alemão sobre o que mudou em Colónia, que o Expresso publicou, começa assim:
Colónia está irreconhecível desde os ataques da noite de passagem de ano: foram apresentadas 553 queixas, 54% das quais reportam “abusos sexuais”. Há refugiados entre os acusados e ainda ninguém sabe ao certo o que se passou e quantas mulheres foram atacadas. Manifestações de direita, contramanifestações, hooligans e neonazis ajustam contas, espalhando a inquietação. Com o maior carnaval da Europa à porta, a cidade tem pouco tempo para (se) convencer que a vida pode voltar ao normal.
Irreconhecível? A impressão que eu tenho é que a cidade continua igual ao que era. Uma amiga, que mora na região, confirma: tudo igual, só há é mais polícia nas ruas.
"Manifestações de direita, contramanifestações, hooligans e neonazis ajustam contas": contem-me algo de novo! Já vi disso há mais de um ano, quando passei um fim-de-semana nessa cidade. E se fosse em Berlim, tinha grandes probabilidades de ter os meus filhos directamente envolvidos - na parte do contra, entenda-se. O relato dos confrontos em Colónia neste sábado, entre Pegida e neonazis de um lado, o contras do outro, e a polícia no meio, é igual a relatos de cenas idênticas em inúmeras cidades alemãs desde que o Pegida nasceu.
Os manifestantes do protesto Pegida, entre os quais se contam muitos hooligans e neonazis, gritam palavras de ordem na cara da polícia. “Onde, onde, onde estavam na passagem de ano?”, “nós somos o povo”, “Angela Merkel, a puta dos refugiados”
(Ofensas à Angela Merkel: contem-me algo de novo. Já se esqueceram do cartaz exibido há meses, noutra cidade, onde se via uma forca para a chanceler?)
ou ainda “fora os porcos salafistas”. A poucos metros de distância, separados por uma centena de polícias de choque com cães, esgrimem os contra manifestantes da aliança Colónia contra a Direita: “Fora os nazis”. Sente-se o perigo de nova escalada de violência na praça da estação de Colónia no sábado à noite.
O que é realmente espantoso: uma semana depois dos acontecimentos chocantes da passagem de ano, há 1300 pessoas que se dão ao trabalho de sair à rua para não a entregar de mão beijada aos Pegida e neonazis (eram 1700) que querem aproveitar o choque para conquistar terreno no espaço público.
Se fosse eu a escrever um artigo sobre o que acontece em Colónia neste momento, era por aí que começava: apesar do choque e do medo, de o país não ter ainda percebido o que aconteceu, do jeito que estes ataques dão para reforçar o acalorado discurso xenófobo que uma certa direita está a soltar no espaço público - apesar de tudo isso, ainda há grupos numerosos de cidadãos que saem à rua para impedir que esta seja tomada pelos "cidadãos preocupados" que têm medo da invasão islâmica e fazem um discurso anti-refugiados. Sim: se eu escrevesse um texto sobre Colónia uma semana depois, era por aí que começava, e não pelos neonazis.
E se fosse eu a traduzir este artigo para português, em vez de traduzir o "auf der Kippe" da capa da revista Der Spiegel para "a um passo do abismo", tinha escrito "em risco de perder o equilíbrio" - o que daria uma luz diferente às frases que se seguem, porque são todas exemplos de perda de um equilíbrio e de uma certa serenidade que a Alemanha até agora tinha conseguido manter.
Como dizia o outro: calma, não é o fim do mundo. A Alemanha não está à beira do abismo. Está apenas a pensar - e nisso, honra lhe seja feita, tem muitos e muito bons pensadores - como se quer reorganizar para continuar a ser ela própria. Não é um país a ferro e fogo. A vida continua normalmente - mesmo em Colónia.
Se não for cancelado por ameaça séria de atentado terrorista, o Carnaval de Colónia vai sair, e vai correr bem, porque agora todos estão muito mais atentos aos riscos, e todos estarão preparados para reagir - tanto a polícia como a população (um exemplo: até agora, o apalpanço não era notícia; hoje, o caderno regional do nosso jornal diário conta na primeira página que a polícia prendeu dois paquistaneses que ontem foram observados a abraçar mulheres junto à Porta de Brandeburgo, "tendo um deles tocado uma mulher na perna, contra a vontade dela").
Estou muito curiosa para ver os carros satíricos do desfile: como irão tratar os acontecimentos recentes?
O artigo era sobre Colónia, mas não resisto a um comentário sobre o que mudou em Berlim: aparentemente, nada. Ontem estive em Neuköln, um bairro berlinense relativamente pobre, onde há muitos árabes e turcos, e onde os refugiados "desaparecem", ou seja, encontram abrigo informal à margem da organização estatal - arranjam quem lhes dê abrigo, para não continuarem a dormir amontoados em armazéns ou ginásios. O ambiente estava tão calmo como sempre. Mesmo sabendo que também há lá gangs árabes (que exploram os refugiados ou tentam levá-los para a sua rede de crime) andei tranquilamente naquelas ruas. Jantei por lá com oito amigos alemães, provenientes de todos os cantos da cidade e com profissões muito diversas, e ninguém tinha vontade de falar sobre Colónia. Parece que estão todos placidamente à espera de um momento em que a poeira pouse e tudo se torne mais claro.
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