08 março 2015

Mahler, happening número 3 em ré menor para solista, coro, orquestra e público

Há anos que andava com vontade de ver a Joana Carneiro a dirigir, e foi hoje, no CCB, a terceira de Mahler. Quer dizer, pensava eu que seria uma "normal" terceira sinfonia de Mahler, e saiu-me um happening: para além da Joana Carneiro (brilhante e encantadora!), da contralto Maria José Montiel, da Orquestra Sinfónica Portuguesa, do Coro do Teatro Nacional de São Carlos e do Coro Juvenil de Lisboa, tivemos o público, muito prestável a contribuir para modernizar a coisa. Foi simpático terem organizado uma excursão de um sanatório de tuberculosos, coitadinhos, a tossir impecavelmente desde o terceiro compasso até ao final, e sempre com especial afinco nos pianos ou até nos silêncios. Também havia as senhoras a remexer nas carteiras, e os que tinham de abrir e fechar muitas vezes um estojo, clic clic, havia os papéis de rebuçados que dão sempre muito efeito, o restolhar dos programas, o neto a conversar com a avó. Havia os aplausos do público entre os andamentos (era um público muito grato), os aplausos do público quando o coro entrou em cena, os aplausos redobrados quando chegaram os miúdos do coro juvenil (desconfio que eram os pais e os avós), quando entrou a contralto. Os aplausos no fim da parte do coro (desconfio que no público havia alguns casos de nepotismo). Ambiente de feira, maravilha. Havia o pigarrear, o respirar fundo. Mais conversa. Saídas para ir à casa de banho. Regressos.
O Mahler no séc. XXI é uma animação.    

(Um concerto extraordinário - que nem este público inacreditável conseguiu inquinar. Fiquei cheia de vontade de ver a Joana Carneiro num palco berlinense. Sem tantos efeitos especiais, mas pronto: não se pode ter tudo.)


3 comentários:

Paulo disse...

Tirando todos os efeitos especiais, que requerem de nós uma concentração redobrada em relação à música e um enorme esforço de abstracção em relação a eles, foi um Mahler que se podia apresentar em qualquer parte do Mundo.

Luís Lavoura disse...

É o povo português em todo o seu esplendor.
É um povo de filhos de carroceiros das berças, digo, de novos-ricos, que vão assistir aos concertos só para se exibirem.
Lembro-me de um recital de guitarra na Gulbenkian, já há muitíssimos anos, no qual às tantas, eram tantas as tosses, que o guitarrista se interrompeu a meio de uma peça e disse: "Ou vocês, ou eu." A partir daí, passou a não se ouvir um rato na sala...

Gi disse...

Começo a achar que as temporadas musicais em Portugal deviam começar pr'aí em Maio e acabar em Outubro, para não coincidirem com as constipações, bronquites e outros catarros.