10 novembro 2014

queda do muro de Berlim - 25 anos (2)





Às onze da manhã, no dia 9, havia uma celebração ecuménica no Mauerpark, no anfiteatro onde normalmente fazem o karaoke.
Imaginei que encontraria lá todos os famosos pastores que iniciaram as orações para a Paz às segundas-feiras, essas que anos mais tarde evoluíram para as manifestações em Leipzig, que se espalharam pelo resto do país, e fui - cheia de curiosidade.
Não estavam os "históricos", mas valeu muito a pena.


Quando lá chegámos já tinha começado. Estavam a ouvir gravações de testemunhas da queda do muro, pessoas que respondiam à pergunta "onde estava quando soube que o muro estava aberto?"
Todos ouviam, deliciados, às vezes riam com gosto. Por exemplo quando alguém contou "estava num restaurante, e às tantas o empregado veio pedir-nos para pagarmos logo, porque queria fechar a caixa e ir ao lado de lá".
Depois convidaram as pessoas a contar a sua própria história ao vizinho do lado, e o anfiteatro animou-se de gente a sorrir e a falar também com as mãos.


Leram o Evangelho, Lucas 17:

E, interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, respondeu-lhes e disse: O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Porque eis que o Reino de Deus está entre vós. E disse aos discípulos: Dias virão em que desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis. E dir-vos-ão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Não vades, nem os sigais, porque, como o relâmpago ilumina desde uma extremidade inferior do céu até à outra extremidade, assim será também o Filho do Homem no seu dia.

Adolescentes fizeram uma pequena pantomina, com o título "somos livres?" - muros que caem, fronteiras interiores que permanecem, a alegria pessoal e a tentação de dar mais valor à sua própria liberdade que às pessoas em volta.


 



A pastora evangélica Ulrike Trautwein lembrou a canção infantil "pequena pomba branca da paz" e a esperança que no princípio da RDA tantos tinham depositado num sistema mais justo e fraterno.




Cito de memória: não durou muito até perceberem que o regime estava a abusar da pequena pomba da paz e da esperança daquele povo, e que estavam a ser presos na rede do totalitarismo. As pessoas procuraram espaços de liberdade e debate, e encontraram esses nichos em algumas igrejas. Outros tentaram fugir, disseram para sempre adeus a tanto do que lhes era querido - muitos foram mortos. Falou do processo que levou à queda do muro, da imensa coragem das pessoas que iam para as manifestações sabendo que corriam o risco de serem mortas ou duramente castigadas. Lembrou a alegria que todos sentiram quando o muro se abriu, e logo a seguir referiu as esperanças mais uma vez frustradas quando se deram conta de que novas redes caíam sobre si: queriam mais liberdade, democracia e diálogo, e acabaram por ser invadidos por um sistema sufocante de consumismo que destruiu os seus valores e contra o qual não se sabiam defender. Foi muito aplaudida quando referiu o actual debate sobre a abertura das lojas ao domingo.
O preço da reunificação foi muito alto, continuou. Muitas pessoas ficaram sem emprego, perderam o seu contexto social, sentiram-se perdidas no novo mundo. Muitas não conseguiram adaptar-se às novas regras do jogo.
Há ainda um vasto trabalho a fazer para regressar aos valores e anseios essenciais que levaram aquele povo a sair para a rua e a lutar por uma vida melhor.
E muito tem de ser feito para derrubar outros muros que continuam a oprimir os povos. Por exemplo, o muro que protege a Europa de tantos refugiados que procuram um porto seguro neste continente.

A oração universal repetiu as mesmas ideias: um lamento pelos povos que vivem separados por muros, pelos refugiados que ninguém quer ajudar, pelos cristãos e pelas pessoas de outras religiões que são torturados e assassinados pelos bárbaros do chamado Estado Islâmico. Um lamento final pelas "oportunidades perdidas" no processo que se seguiu à queda do muro.

Já conhecia estas queixas do tempo em que vivi em Weimar, e gostei de as ver repetidas em Berlim, neste dia. É certo que os alemães de Leste viviam sob um regime totalitário, mas viviam segundo alguns valores muito positivos e diferentes dos da Alemanha Ocidental. A reunificação destruiu simultaneamente o que era terrível e o que era bom, desprezou valores que eram importantes para 1/4 da população do novo país e acabou por espezinhar estilos de vida mais simples e solidários. Tivesse ela sido feita noutros moldes, e a nova Alemanha teria com certeza um outro rosto.

Também gostei do ambiente, descontraído e caloroso. E da música, com a banda "patchwork" e uma pequena orquestra de metais. Cantaram canções antigas da tradição cristã alemã, e canções compostas em 1989 (Confiai nos novos caminhos / pelos quais o Senhor nos envia, / porque viver é agitar-se / viver é caminhar. // Confiai nos novos caminhos / e caminhai pelo tempo! / Deus quer que sejais / uma benção para a sua terra.)

e em 1990:

Conseguimos

Aguentámos o cinzento todos estes anos, semeámos pouco a esperança,
os caminhos já estavam percorridos, a ajuda chegava sempre tarde.
A liberdade de ouvir dizer, o olhar fixo na terra prometida.
O futuro enterrado bem fundo, e sempre encostados entre a espada e a parede.
Os últimos atiram as pedras, os mais espertos cedem.
Os burros sempre na linha da frente, e ninguém desperta.

Finalmente conseguimos, finalmente estamos aqui,
afinal era apenas uma questão de tempo, chegámos aonde queríamos chegar.


A colecta era para o trabalho de ajuda aos refugiados e aos emigrantes. Alguém da organização avisou que os sacos da recolha do dinheiro podiam ser comprados no fim, mas - sublinhou - sem o conteúdo. Gargalhada geral.

Berlinenses.


Sem comentários: