14 outubro 2014

quando Lisboa chove

(foto)

Andei uma semana a rir-me das lisboetas, que ao menor aviso de chuva se enfiavam em galochas até ao pescoço. "Parece que estão mortinhas por exibir as galochas novas", pensava eu. Ora bem: pelos vistos Deus não dorme, e castiga quando é preciso, porque ontem fiquei a saber como é quando Lisboa chove. Eu e a minhabocagrande.

Ao sair de casa já tinham olhado de revés para as minhas bailarinas. Acomodei o impermeável no braço, e encolhi os ombros. No fim do almoço, no Saldanha, repetiu-se a cena. Alemã, expliquei que nem eu nem os meus sapatos somos feitos de açúcar. Mas deixei-me influenciar e comprei um guarda-chuva, para ir a pé até Campolide. Em boa hora o comprei, porque me deu imenso jeito para tapar as pernas sempre que passava um carro.

Nem eu nem os meus sapatos somos feitos de açúcar, é certo. E tenho calor humano suficiente para secar num instante calças ensopadas  (vai ser o nosso segredinho, caso contrário ainda alguém se lembra de me pôr à venda com uma etiqueta de secador de roupa biológico e amigo do ambiente e tal). Mas tanta chuva não dá jeito. Os pés escorregam dentro dos sapatos e estes sobre a calçada. A chuva faz tanto barulho que uma pessoa nem consegue ouvir a sua própria cantoria largada no anonimato do guarda-chuva. De modo que ontem, em Lisboa, o meu amor pelo andar à chuva sofreu um pequeno abalo paradigmático.

E depois, havia os carros a passar e a levantar ondas enormes que me batiam nos joelhos antes de desmaiar no passeio. Agora olho para a travessia do Mar Vermelho na perspectiva dos desgraçados que viam Moisés passar. Depois admiram-se que no Médio Oriente haja ressentimentos entre as religiões...

PS: Esta manhã fui à janela, fiz voz grossa, e disse assim: "Ó minha, tu vê lá como te portas hoje, que eu quero sair à rua com sapatilhas de pano, porque são mais confortáveis que as bailarinas, e vou a pé do Areeiro para Campolide."
Encolheu logo as nuvens, viram? O que esta cidade precisa é de alguém com autoridade e visão.
(Parece que vagou um lugar ali na Câmara. Se precisarem de mim...) (Aqui deixo já a minha primeira promessa eleitoral: dispensar carro e motorista, ir a pé para o trabalho)


2 comentários:

Gi disse...

Com essa promessa eleitoral não vais longe, Helena: lembras-te do Álvaro?

Helena Araújo disse...

hahahaha, Gi!
E já tinha slogan de campanha e tudo:

Helena Araújo, de pé por Lisboa!