Foi um enorme prazer trabalhar com eles.
Näo sei se eles diräo o mesmo. O Ricardo, por exemplo. Dizia-me "aqui falta uma frase", e eu respondia "espera pela minha próxima insónia matinal". Näo é bem insónia, é mais acordar cedo, mas nos tempos que correm é de bom tom dar uma cor de patologia a tudo o que foge ao normal, pelo que, portanto. Ia para casa, dormia, acordava, ficava deitada a pensar na frase, e zimbas. De caminho, comecei a achar que as anedotas dos alentejanos que trabalham deitados säo parvas. Mas uma frase por dia, convenhamos que já vi melhores produtividades. O Miguel Angelo, por exemplo, que também trabalhava deitado, se só conseguisse dar uma pincelada por dia ainda agora estava ali a pintar a capela Sistina.
Em todo o caso, o Ricardo esperava pacientemente pelo dia seguite, e assim se foi fazendo o filme. Até que no dia seguinte ao filme ficar pronto eu anunciei cheia de entusiasmo que a insónia dessa manhä tinha dado a melhor ideia de todas: cozinheiras arménias a fazer um cozido à portuguesa. Na realidade näo tinha sido insónia, tinha sido um belo sonho, as cozinheiras arménias muito sorridentes a arrumar nas travessas os bocados de carne com o desvelo daquele grupo de mulheres míticas da Cidade e as Serras. Mas o Ricardo acreditou que eu estava a falar a sério, e por uns momentos pensou como acomodar esta maluquice no filme. Depois percebi que ele estava prestes a dar-lhe uma coisa má, e apressei-me a desfazer o equívoco. Mas penso que nos próximos tempos melhor será evitar mencionar a gastronomia portuguesa. Dura vida, a de um realizador.
Só para dizer que gostei muito de trabalhar com o Ricardo Espírito Santo, o bom, e toda a sua equipa. Sinto-me muito grata por esta experiencia. E prometo que, se me quiserem dar uma próxima vez, produzo duas frases por insónia e näo mencionarei nunca o malfadado cozido à portuguesa.
A näo ser que seja um documentário sobre a Maria de Lourdes Modesto.
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