05 março 2014

fado

O Matthias andou uns dias muito ocupado a preparar uma apresentação sobre o tema "fado". Contei-lhe o que sabia, com teorias estapafúrdias que o faziam rir muito (por exemplo, quando explicava que o fado não podia ter origem mourisca, porque à música mourisca falta o plim-plim das guitarras no final) (é tão bom ter filhos que se riem connosco!) e ele pesquisou o resto. Esta manhã disse-me que ia terminar com o Carlos do Carmo na Eurovisão. "Isso não é fado!", disse eu, muito atrapalhada, e fui ao youtube ver de perto a confusão em que o rapaz se ia meter.



Fiquei comovida. Já nem me lembrava do Carlos do Carmo na Eurovisão, e afinal ainda sei mais de metade desta canção de cor. Aquelas guitarras de fadistas no palco europeu. O Carlos do Carmo a referir o fado em 1976, numa altura em que ainda estava tão conotado com o regime anterior.
Meu rico povo. Meu rico filho, que inadvertidamente me pôs uma cor especial no princípio da manhã.

A apresentação correu bem. Os outros alunos riram muito - desconfio que o Matthias levou para a aula as piadas que me foram escapando enquanto fazia o jantar. A Amália foi muito aplaudida, num registo entre a brincadeira e a sincera admiração. A turma chegou à conclusão que fado com a Amália é que é, e que as cantoras modernas são diferentes, mas não vão tão longe. Perguntaram qual era a origem do sentimento "saudade" (ele desenrascou-se como pôde com algumas considerações sobre os descobrimentos), e se se pode beber quando se está a ouvir fado (respondeu que sim - se não se pode, e virem alguns alemãezitos em Lisboa a fazer isso, já sabem: vão falar com eles e perguntem-lhes se conhecem o Matthias).
A professora agradeceu-lhe por ter alargado os horizontes de todos, e deu a nota máxima.

**

Aulas de música no último ano do ensino secundário, numa escola vocacionada para as ciências - às vezes dá-me vontade de trocar de vida com o meu filho. Por exemplo outro dia, quando ele contou que tiveram um teste sobre um Lied de Schubert. A professora deixou ouvir a canção três vezes, e depois os alunos ficaram muito aflitos quando descobriram que só tinham 70 minutos para escrever sobre aquela peça. Quando é que eu alguma vez saberei o suficiente sobre Schubert e sobre Lieder para sentir que 70 minutos é pouco tempo para analisar uma canção?
Se alguém me vier dizer que no meu tempo é que a escola era boa, vai ter que ouvir.


10 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

"A escola de antigamente ensinava as estações e apeadeiros, a escola actual ensina a viajar", escrito por um homem do norte, Manuel Sarmento, algures no tempo. Só quem tem horizontes estreitos se recusa a viajar, recusando do mesmo passo, crescer. Crescer consigo e com os outros. Dá aí os parabéns ao Mathias. Beijinhos de cá

Maria J Lourinho disse...

O comentário anterior é tão bonito que nada mais há a comentar sobre um tão bonito post. Disse

GL disse...

Parabéns ao Mathias, à Mãe, e a nós que temos a bênção de aprender, de ver o mundo, música incluída, através dos olhos deles.

Abraço.

Helena Araújo disse...

E a mim só resta fazer um sorriso para as duas comentadoras.

Helena Araújo disse...

Olha, chegou mais um comentário simpático! Ora então: a mim só resta fazer um sorriso para as três comentadoras.
:)

Paulo disse...

O Matthias! Esse rapaz vai longe. É claro que essa canção do Carlos do Carmo também é fado. Diferente, por certo, mas é um fado, apesar de as guitarras não acabarem no plim-plim costumeiro.
Parabéns a ele.

(Não deixa de ser curioso os colegas dele terem achado que a Amália é que é.)

(Pergunto-me se numa escola portuguesa, das normais, os alunos ficariam aflitos por só terem 70 minutos para escreverem sobre um tema qualquer.)

Helena Araújo disse...

Paulo, parece-me que quem tem de aprender muito com o fado sou eu. Quais são os critérios para dizer que é ou não é fado?
Essa da Amália também me comoveu: imagina um bando de miúdos de 17 anos a aplaudir na brincadeira, e ao mesmo tempo sinceramente.
Essa dos 70 minutos: estou contigo. E não falo dos alunos das escolas portuguesas, falo de mim nessa idade.



Paulo disse...

Quais são os critérios...
Conheces a canção que Aznavour escreveu para a Amália? Para mim as fronteiras são muito ténues e movediças.

Helena Araújo disse...

Aie, mourir pour toi: parece mesmo fado, mas não acaba com plim-plim. Bem, estou a ver que não percebo mesmo nada disto. Vou pedir explicações ao Matthias...

Paulo disse...

:-)