O que se segue é uma opinião pessoal e proposta de debate (nem sei porque escrevo sobre um tema que não domino - deve ser, provavelmente, na esperança de que um dia destes um jornal qualquer me comece a pagar crónicas).
No sistema alemão, os alunos são separados logo no fim da escola primária (4 ou 6 anos, conforme o Estado em que vivem) seguindo para vias diferentes de ensino, segundo as suas aptidões. De um modo geral, os que são capazes de raciocínios mais abstractos e de trabalhar intensa e autonomamente vão para o Gymnasium, os que têm menos pedalada vão para a Realschule, e os que têm, digamos, uma inteligência essencialmente prática vão para a Hauptschule.
A elite da nação é preparada pelo Gymnasium, e não pela Universidade - esta acrescenta apenas um aprofundamento de conhecimentos numa área determinada, e a exigência de um trabalho ainda mais autónomo e responsável. Os alunos daquele ramo de ensino acabam o secundário com uma vastíssima cultura, com um enorme treino da reflexão crítica e da capacidade de análise, e capazes de um discurso articulado e diferenciado com recurso a excelente vocabulário.
A Realschule oferece aos alunos uma adolescência mais descansada, porque não exige tanto deles, e dá-lhes a possibilidade de fazerem um sprint no final, de modo a terminar o secundário com o diploma de Gymnasium (Abitur) e ter acesso à Universidade; a saída habitual deste ramo de ensino é a formação técnica ou comercial.
Os alunos da Hauptschule são os claros perdedores deste sistema, porque no fim da escola primária lhes é dito que nunca irão longe na vida (isto sou eu a resumir cá para nós, em português - o discurso alemão é mais elaborado e muito mais neutro). A frustração e o facto de se juntarem demasiados alunos provenientes de famílias com problemas sociais graves (as famílias que funcionam melhor, ou que estão bem integradas nesta sociedade, cuidam de pôr os seus filhos nos outros ramos de ensino) faz com que essas turmas sejam uma dor de cabeça para todos. Tem-se falado muito em acabar com este terceiro ramo - e é ver a famosa "mão invisível" (a tal que faz com que a sociedade fique melhor quando cada um é movido pelo seu interesse egoísta...) a trabalhar: muitos pais dos alunos do ramo intermédio, a Realschule, desatam a puxar pelos miúdos, e nem que seja com Ritalina, para os conseguirem meter no Gymnasium, "a salvo dos delinquentes que vêm da Haupschule". E os que já têm os filhos no Gymnasium protestam, dizendo que esta invasão vai baixar o nível daquele ramo de ensino.
Apesar do cuidado do Estado alemão em apoiar as crianças das famílias com menores rendimentos, para que possam escapar ao círculo vicioso da pobreza, este sistema de ensino acaba por ser um entrave à mobilidade social. A sociedade forma uma elite já ao nível do ensino secundário, e paga um preço alto por isso: reforça a estratificação social e rouba a motivação aos mais desprotegidos.
É-me difícil escolher entre um modelo de sociedade que aposta em formar uma elite, dando e exigindo o máximo àqueles que têm mais capacidades, e um modelo de sociedade que dá a todos as mesmas oportunidades. Não tenho dificuldade em aceitar que as pessoas não são todas iguais nem têm todas as mesmas capacidades, pelo que não faz sentido meter numa mesma turma alunos com competências e interesses muito diversos - e seria um empobrecimento para a sociedade no seu conjunto se o nível do ensino tivesse de baixar para o mínimo denominador comum. Mas também é um empobrecimento para a sociedade se pessoas com muitas capacidades acabarem por ser arrumadas num nível de ensino menos exigente, só porque tiveram o azar de nascer num contexto familiar e social desfavorável.
Parece-me que a única maneira de resolver este dilema é uma terceira via: dar a todos e a cada um a possibilidade de tirar o máximo partido das suas possibilidades. Um ramo de ensino muito exigente para os alunos cujas capacidades e contexto sócioeconómico familiar propiciam esse esforço, e um ramo de ensino mais personalizado, com turmas mais pequenas e a preocupação de, para lá da transmissão e aquisição de conhecimento, reduzir as desvantagens resultantes do contexto familiar e social do aluno, para que ele se consiga libertar das peias que o impedem de ir mais longe.
- E a crise, pá, e a falta de dinheiro? É uma pergunta legítima, à qual respondo com outra pergunta: será que alguma vez vamos sair da crise se fizermos a opção de sermos um povo pouco qualificado cuja vantagem relativa é a oferta de mão-de-obra barata? Queremos realmente agravar a crise com um novo problema estrutural que é o de haver cada vez mais pessoas a trabalhar e produzir abaixo das suas possibilidades?
20 comentários:
A equidade, sempre a equidade, tão bem representada neste desenho. Por aqui as coisas complicam-se e temo que venha a ser como dizes. Um país que não valoriza o conhecimento e a educação é um país dominado.
No regime que descreves, e que se agrava ainda mais quando se fala de escolas privadas, porque acentua ainda mais a diferença financeira, o que me choca/assusta/repugna é a separação entre as pessoas. Para mim, esta é A base para o conflito. Um tipo de individuo vai conhecer apenas outros individuos que se assemelham a si. Acredito que a falta de conhecimento do outro leva à falta de empatia sincera pelo outro. E dai a uma sociedade profundamente egoista e disfuncional é meio passo.
Queremos todos o melhor para os nossos filhos. Onde o procurar ? Numa escola que lhe vai abrir os horizontes intelectuais, ou os horizontes sociais ? Não se pode dividir assim o raciocinio e esperar uma bonita solução no final.
Cristina, ora essa, então não valoriza? Olha o Relvas, o que ele não foi capaz de fazer para conseguir o curso superior... ;-)
Carla, aqui também há escolas privadas, mas muitas delas não são assim tão caras. A minha filha andava numa que custava 70 euros por mês.
Sobre a separação das pessoas, lembro uma passagem curiosa no filme "Rhythm is it" - num projecto da Filarmónica de Berlim com alunos de muitas escolas diferentes, uma das miúdas, aluna de uma Realschule (salvo erro), diz que foi a primeira vez que trabalhou com alunos do Gymnasium, e que ficou muito impressionada com a sua capacidade de trabalho e concentração. Foi a primeira vez que me dei conta disso: os alunos dos vários ramos de ensino não estão em contacto uns com os outros.
Não diria que isso é tão grave nesta sociedade, que é apesar de tudo bastante igualitária - a diferença entre um licenciado e um trabalhador manual não é tão grande como em Portugal, nem em termos de status social nem de salário. E um motorista de táxi pode chegar a ministro sem ter de passar antes pela Lusófona.
Voltando à questão inicial: a função primordial da escola é o conhecimento ou as competências sociais? A miscigenação social é o objectivo mais importante da escola pública? Mesmo que para isso pagues o preço de um grupo de alunos aprender ("render") muito menos do que poderia? Não será preferível promover essa miscigenação noutras plataformas (actividades de desporto ou arte, serviço social, projectos teatrais, etc.)?
Tendo em conta o tempo que um aluno passa na escola, acho que esta deveria englobar tudo. As tais actividades extra-curriculares são ainda mais separatistas : ténis e musica para uns, futebol para os da classe média e televisão para os estratos inferiores. Se não for na escola que se implementa a mistura escolar, não vai ser em mais lado nenhum.
Claro que me preocupa o conhecimento, mas acredito que existem outras soluções, que nunca passarão por se desinvestir na educação publica. Turmas mais pequenas, com maior mistura social, maior participação dos pais, ensino mais individualizado para que se aproveite ao maximo as capacidades de cada aluno. Apesar dos pesares, Portugal não estava a ir no mau caminho, prova disto pode ser os resultados do PISA (algo discutiveis, é certo) agora é que
o caldo se entornou.
(PS : Aqui uma escola privada custa 1000 euros por mês/ por aluno, sem refeição, e a sair da escola às 16:30, ainda é pior do que em Portugal)
Essa história da mistura social tem as suas limitações.
Se os pais dão mais valor a um ensino mais centrado no conhecimento que na miscigenação social, como é que os obrigas a aceitar o teu ponto de vista?
E se ninguém quer os seus filhos num ambiente escolar que lhes parece ser nocivo (por exemplo, uma escola onde mais de metade dos alunos não fala bem a língua do país), como é que vais impedir os pais de levarem os seus filhos para escolas que considerem mais adequadas?
Isso vê-se bem em Portugal: apesar do interesse em misturar os grupos, as pessoas procuram para os seus filhos a escola pública com melhor fama. E, segundo ouvi dizer, há escolas que têm turmas especiais, para os alunos melhores.
Estas coisas têm de ser resolvidas com muito cuidado, e custam muito dinheiro. Não basta obrigar os alunos a andar juntos na mesma turma.
Trago para aqui um quadro que publiquei há bocadinho no facebook: custos por aluno dos vários sistemas
Ano: 2004 - em Euros
Primária 4.000
Gymnasium 5.400
Realschule 4.400
Hauptschule 5.400
Ensino unificado 5.600
Escola para alunos com necessidades especiais 12.000
(o ensino unificado é um pouco mais caro que o outro, e é bastante criticado quando os alunos chegam à universidade - os que vêm do Gymnasium têm um nível melhor que os que vêm do unificado)
Não pretendo obrigar ninguém a aceitar o meu ponto de vista, mas gostava de propor um debate honesto sobre o quanto se desperdiça conhecimento ao não se dar valor às vantagens sociais de se misturar varios tipos de culturas e de alunos. Em varias escolas alternativas que citas, nomeadamente a de orientação Montessouris, os lunos mais velhos, com mais conhecimento, são incentivados a ajudar e ensinar os mais novos. E é uma experiência em que todos ganham, os mais novos porque são acompanhados por crianças que estão mais proximas delas do que os adultos, e os mais velhos porque solidificam conhecimentos. Não sei porque é que, de repente, esta teoria não pode ser utilizada em aluos da mesma idade, mas com ritmos diferentes de aprendizagem;
- O argumento sobre as aulas em que existem muitos alunos que não conhecem a lingua de origem é um argumento muito comum aqui também, e que me faz (quase) perder a fé na humanidade. Os pais querem que os filhos sejam mentes abertas, levam-os a viajar, estão prestes a pagar professores privados para os ensinar a falar outras linguas e depois, quando têm tudo de mão beijada, em vez de verem ali uma oportunidade para que o filho aprenda uma nova lingua e cultura, querem ver apenas o problema. A minha filha tem na turma todos os anos, uns quantos russos, outros arabes e outros ingleses, ja imaginaste o que seria se a escola utilizasse este potencial ? Três linguas e culturas ali e todos de costas voltadas. Um desperdicio, uma vergonha.
Juntar varias culturas, misturar pode ser muito positivo, agora, claro, que os professores devem ser apoiados para estarem à altura deste desafio. A segregação a meu ver é limitativa. Para não falar de desumana (se pensarmos no que a move). Eu quero o melhor para os meus filhos, como todos os pais. Para mim, esse melhor passa, antes de mais a ensina-los a aproveitarem a vida ao maximo, a aprenderem com quem é diferente, a abrirem horizontes sempre. E não apenas quando viajam, ou quando pagam excursões para perceberem o que se passa nos bairros diferentes dos deles. A escola também serve para isso. E é uma pena que não se pense em utilizar os tais euros para potenciar este conhecimento e este savoir vivre.
Carla,
sobre os alunos ajudarem os do seu ano que têm um ritmo diferente de aprendizagem, respondo-te o que disseram ali ao lado, no facebook: pois se até um professor desespera!
Nem todos vão conseguir alguma vez analisar um Lied de Schubert durante 70 minutos, ou fazer cálculos de integrais. O que fazes? Desces o nível de exigência, para os mais fracos não se sentirem ultrapassados?
Sobre alunos com línguas e culturas diferentes: pode representar um alargamento de horizonte, mas na vida escolar é um problema. Uma amiga minha mudou de casa e pôs a filha numa escola onde havia muitos estrangeiros. Ao fim de uns meses ficou assustada com o atraso dessa turma em relação ao nível da turma onde tinha andado antes. Pior: ela tentou imenso aproximar-se das mães dos outros alunos, criar uma comunidade, mas as outras mães não estavam para a aturar. Não se queriam misturar. Uns anos mais tarde, a filha dela foi vítima de violência verbal na paragem de autocarro da escola. Um grupo de alunos filhos de estrangeiros começou a provocá-la com "scheiss Deutsche" e outros carinhos do género.
Turmas com filhos de estrangeiros exigem um apoio extra-curricular muito forte a esses alunos, para eles aprenderem a falar a língua do país onde vivem como se fosse língua materna. Sem um perfeito domínio da língua não vão conseguir acompanhar um nível de ensino mais exigente. E se esse apoio não existir, as turmas vão ter problemas, porque alguns dos alunos arrastam problemas de compreensão, estão desmotivados e acabam a incomodar os outros, inclusivamente por mau comportamento.
Em suma: não basta misturá-los e achar que no fim tudo vai acabar bem. É preciso uma atenção enorme para dar a cada um aquilo de que ele necessita.
Só mais uma achega: os melhores alunos da turma do meu filho são os estrangeiros - os filhos dos chineses.
Em Portugal os filhos dos ucranianos também têm muito boa fama.
Não é uma questão de nacionalidade, mas de contexto social. Os miúdos que provocaram a filha da minha amiga são miúdos com dificuldades de integração e muito ressentimento.
Não tenho solução para todos os problemas, mas consigo dizer quais os caminhos que me parecem errados a médio e a curto prazo. Cada aluno é um aluno, cada caso é um caso e o ideal seria que a individualidade de cada um fosse respeitada. Depois, claro que nem todos vão conseguir - ou querer - resolver integrais. Mas poderão conseguir ou querer fazer mais do que fariam se não fossem estimulados. Queria ver uma solução para esse estimulo e gostava que fosse procurada uma solução para aproveitar o maximo de cada um. Todos juntos, todos diferentes. Se gostamos deste slogan para marcas de roupa, também deveriamos respeita-lo para assuntos mais importantes.
Que é necessario investimento (não so financeiro) para que a mistura social seja positiva, parece-me algo indiscutivel. Porque é que não se investe aqui e se escolheu investir num sistema para separar os alunos ?
Essa pessoa de que falas foi vitima do actual sistema e vem apenas dar mais força aos meus argumentos : a escola não estava pronta para que se misturem as culturas e ela teve que fazer tudo sozinha contra o sistema. Não haviam suficientes alunos como a filha dela, nenhum suficientes pais a remarem na mesma direcção que ela. Porque colocaram os filhos noutro tipo de escolas, sabotando assim as chances de integração, colocando-a sozinha contra todos os outros. Tinha poucas hipoteses de ganhar. Foi pena. Numa escola atenta à realidade e com interesse no sucesso de todos, haveria ja uma infraestrutura para ajudar a integração.
Penso que não é possível aproveitar o máximo de cada um se tivermos os alunos todos juntos. Os alunos com uma inteligência mais abstracta vão ser travados pelos alunos que têm uma inteligência mais prática.
Por outro lado, penso que é fundamental olhar para cada caso, e ajudar cada aluno a ir o mais longe que as suas pernas o podem levar - e até estimular o seu gosto de andar, para usar a tua expressão.
Sobre o sistema, que é feito por todos nós, o que tenho visto é o salve-se quem puder. As próprias famílias de imigrantes, se tiverem meios para isso, tratam de pôr os seus filhos em escolas com um número reduzido de estrangeiros, para lhes dar mais oportunidades de singrar nesta sociedade.
Acreditas mesmo que existem alunos com uma inteliência mais abstrata e outros com uma inteligência mais pratica, sendo que sabemos que os primeiros chegam normalmente de familias que lhes abrem horizontes e os incentivam a estudar e os segundos de familias que estão a lutar para sobreviver ? Pode até haver diferenças, mas não estão a ser vistas de uma forma honesta pelo sistema actual. Este tipo de inteligência que o sistema nos mostra é completamente artificial ou derivado de conjunturas. Havera excepções, claro.
Outro ponto, não sei o que se passa no meu circulo de amigos aqui mas uma grande maioria (que saiu de escolas de elite) estão a bater com a cabeça nas paredes, estão fartos de trabalhar como engenheiros, e estão a declarar-se vitimas do sistema. Como eram bons alunos foram isolados, aqui existe um sistema de elite depois do equivalente ao 12° ano, os melhores vão para classes preparatorias durante dois ou três anos aprender em doses de cavalo que os tira completamente da realidade para depois fazerem concursos para escolas de elite. Um vendeu tudo e comprou umas cabras e esta a montar uma quinta biologica, outro tirou um novo curso de jornalismo, outro vai fazer um ano de volta ao mundo para pensar melhor na vida. E se a elite andar a ser empurrada para o ser e se o sistema de elite não é bom nem para quem supostamente seria o grande beneficiado ?
Talvez tenham razão os mais revolucionarios, a escola não deve ser reajustada, deve ser toda pensada de raiz. E, eu sei, que gostas de numeros e estatisticas, mas não acho nada racional pensarmos desta forma em campos tão importantes como este.
Sonhemos primeiro.
Sim, acredito que há pessoas com inteligência mais abstracta e outras com inteligência mais prática, como há pessoas dextras e pessoas canhotas, ou pessoas com atenção concentrada ou outras com atenção dispersa, as que gostam de arte e as que gostam de ciências. Uma característica não é melhor que a outra, é apenas diferente. Há pessoas que sabem calcular integrais de cabeça, e não sabem mudar uma lâmpada. E há outras que têm uma extraordinária capacidade de empatia para trabalhar com deficientes mentais, mas não conseguem fazer contas de somar de cabeça. Estou a falar de gente que conheço, tudo filhos da classe média, nascidos na mesma rua, criados no mesmo infantário e na mesma escola primária. E ainda nem me lembrei de falar dos miúdos que foram criados com todos os estímulos intelectuais e culturais, e decidem que querem é ir para a escola de circo.
Também já vi vários pais com curso superior porem alguns dos seus filhos na via de ensino menos exigente, por se darem conta de que o Gymnasium era demasiado difícil para eles. Sem complexos nem traumas.
O que é grave é que:
- os pais doutores façam questão que o seu filho seja doutor e o obriguem (nem que seja com Ritalina) a fazer esse percurso (conheço um que queria mesmo ser electricista, e os pais não deixavam);
- a sociedade atribua às profissões manuais um status social mais baixo, e se desfaça em salamaleques perante os "doutores";
- o nível de ensino frequentado seja decidido pelo contexto social e familiar do aluno, e não pelas suas capacidades.
O que eu tentei sugerir no meu post foi que, em vez de meter todos os alunos na mesma turma, fossem separados segundo as apetências e capacidades, pondo cada aluno no nível em que se sente mais confortável - o que não significa "arrumar os burros" onde não chateiem os "inteligentes". Mais: no post, sugeria que lhes fosse dedicada uma atenção especial para os ajudar a ir o mais longe possível.
Falas-me nas assimetrias derivadas do contexto social e familiar, e respondo-te que essas assimetrias não se corrigem metendo os alunos todos na mesma turma, mas dando aos que estão em desvantagem o apoio profissional adequado para resolver o seu problema concreto, de modo a que possa ter o melhor rendimento escolar possível (de facto, o rendimento escolar nem sequer é o mais importante, mas falo dele porque o tema do post era este).
O que me parece grave no sistema alemão não é ter o Gymnasium - é mandar os miúdos para a Hauptschule demasiado cedo, e não dar o apoio necessário aos miúdos que vivem em contextos problemáticos. Parece que isso está agora a ser tratado, havendo apenas dois ramos de ensino (o Gymnasium e um unificado) com a possibilidade de os do unificado poderem conseguir o diploma do que dá acesso à universidade.
Sobre sonhar o ensino, nem sei que te diga: por um lado acho muito importante. Por outro lado penso nos miúdos chineses e do antigo bloco de leste que chegam às nossas escolas, e dão 10 a zero aos nossos filhos. Como é que as nossas sociedades se preparam para competir na economia global? Como é que tencionamos criar a riqueza que permita ao nosso povo ter o nível de vida que queremos?
E assim chegamos ao tema "o cansaço das elites". Pode ser que venha por aí um mundo novo, de gente mais feliz e descansada, capaz de viver com muito menos. Contudo, se as pessoas formadas para os sectores de ponta e estratégicos da economia decidem ir criar ovelhas, pergunto-me que consequências terá isso para o PIB do país. Estou curiosa.
os meus melhores alunos são alemães.
Então não são ucranianos?
Os meus amigos portugueses professores falam com imensa admiração dos miúdos ucranianos que chegam sem falar português e ao fim do primeiro período já são os melhores alunos.
E lembro-me muitas vezes de uma russa, mãe de uma coleguinha do Matthias na primeira classe, que dizia "esta escola está a desperdiçar a melhor fase do cérebro das crianças". Os miúdos ainda só faziam contas até vinte, e aquela russa provavelmente queria a filha dela a fazer integrais...
(A verdade é que o Matthias aos quatro anos já tinha percebido como é que se trabalha com milhões. Andava numa Montessori na qual os alunos eram ajudados a ir tão longe quanto as suas capacidades os levassem. O rapaz fez a primária toda a viver dos juros do Kindergarten americano.)
Fico pasmada com o nível dos miúdos da turma do Matthias. A capacidade de análise equilibrada e diferenciada, a riqueza de vocabulário. Por outro lado, estes miúdos fazem-me alguma pena: o que eles trabalham é impressionante. Não tenho ideia nenhuma de terem exigido tanto de mim quando andava no secundário.
E compreendo inteiramente que alguns pais, eles próprios com curso superior, escolham para os seus filhos escolas menos exigentes, para não lhes tornarem a adolescência numa inferno de stress. Mas isso só é possível em países onde o curso superior não é o único passaporte para uma vida melhor.
os russos e ucranianos têm uma apetência tão grande para a nossa língua como, imagino, nós teríamos para a deles. são muito, muito bons.
mas falei a verdade. embora haja eslavos (para simplificar) com uma grande dose de seriedade na apicação às tarefas escolares, os alemães batem-nos a todos: além de sérios e rigorosos, são muito trabalhadores, têm objectivos bem definidos, uma noção incrível de cumprimento dos deveres escolares, métodos de estudo e vontade de ir mais além - de si mesmos.
seriam um modelo para os seus colegas portugueses, se estes não fossem... portugueses. ;)
"Sérios e rigorosos", isso, isso.
Os teus alunos vêm do Gymnasium, não é? É a tal coisa: são os que aos dez anos já davam sinais de ter muita pedalada, e foram para o ramo de ensino que mais exige deles.
São os tais que no 12º ano se afligem por só terem 70 minutos para escrever uma análise de um Lied de Schubert... E música nem sequer faz parte das suas disciplinas nucleares.
Lá está: se por um lado acho muito positivo que quase 40% dos jovens alemães conquistem este patamar, não posso esquecer que o preço da excelência é uma concentração demasiado alta de jovens com problemas familiares e sociais num outro ramo escolar (mais de 40% dos alunos dessas escolas).
Entretanto, encontrei um gráfico muito interessante:
http://www.statistik-bw.de/Pressemitt/2012009c01.gif
Compara a recomendação das escolas primárias e as expectativas dos pais, por ramo de ensino. Curiosamente, 20% dos pais cujos filhos receberam recomendação para o Gymnasium preferem vê-los na Realschule (e há até 38 crianças cujo professor da escola primária acha que tem capacidade para o Gymnasium que, segundo os próprios pais, devia ir para a Hauptschule!).
Sobre a Realschule parecem estar todos bastante de acordo (não chega a 10% o número de pais que preferiam ver os seus filhos ou no Gymnasium ou na Hauptschule).
Na Hauptschule há 20% dos pais que preferiam ter os seus filhos na Realschule (e 42 deviam ir para o Gymnasium).
Em números (copio com cut&paste, não sei se vai resultar aqui):
Recomendação da escola e desejo dos pais em Baden-Württemberg no ano lectivo 2011/12
Elternwunsch Werkreal-/ Hauptschule Elternwunsch Realschule Elternwunsch Gymnasium
GSE Werkreal-/ Hauptschule 19.249 5.296 38
GSE Realschule 898 22.648 1.301
GSE Gymnasium 42 9.159 41.369
A tabela, de novo:
1º número em cada linha: número de alunos que, segundo os pais, deviam estar na Haupschule
2º número em cada linha: número de alunos que, segundo os pais, deviam estar na Realschule
3º número em cada linha: número de alunos que, segundo os pais, deviam estar no Gymnasium
Alunos com recomendação da escola primária para a Hauptschule -- 19.249 -- 5.296 -- 38
Alunos com recomendação da escola primária para a Realschule -- 898 -- 22.648 -- 1.301
Alunos com recomendação da escola primária para o Gymnasium -- 42 -- 9.159 -- 41.369
Ooops, enganei-me numa estatística: são 27,5% dos pais de alunos na Hauptschule que os queriam ver na Realschule.
(quem vai para a Hauptschule sou eu, se descobrem estes erros...)
Mesmo assim, isso significa que mais de 70% dos pais de alunos da Hauptschule concorda com aquela recomendação da escola. Será que esta escola não é tão má como eu a faço?
Ahahahaha ! Tu és demais, eu a falar de sonhar uma escola e respondes-me com preocupações acerca do PIB, quando falamos de pessoas que querem sentir-se realizadas com mais do que com dinheiro. Pessoas com ambições mais altas, que ja perceberam as limitações de uma vida de um membro de uma elite economica.
Quanto às inteligências diferentes para cada pessoa, repara na nuance no meu comentario, elas existem com certeza, mas não são postas em evidência pelo sistema. Um aluno estimulado em casa vai estudar mais, do que um aluno que não tem estimulo. Se formos ver as estatisticas (aqui em França é muito claro e acredito que seja universal) os filhos de pais licenciados, que conhecem bem o sistema escolar estão em vantagem clara, o que diz respeito a aproveitamento escolar. Existe sempre casos que vão mostrar o contrario : são as excepções.
Acho que seria muito interessante pegarmos nessa experiência do ensino Montessori, onde a individualidade do aluno é levada em linha de consideração e onde varias idades e niveis trabalham na mesma sala).
oooops - pois sou... ;-)
Mudei de assunto. De facto, voltei ao inicial: pode uma sociedade dar-se ao luxo de não criar uma elite intelectual e científica?
A busca da felicidade individual é um direito indiscutível. Mas será que estamos a entrar numa fase de "neoliberalismo da felicidade": cada um cuide de ser feliz por si, e a sociedade será feliz no seu conjunto?
Será feliz? Se decidirmos todos que queremos ser cigarras, quem vai juntar as reservas de alimentos para os meses de inverno?
É mesmo uma pergunta, não é uma tese. Ainda ando a pensar nisto - nomeadamente na minha responsabilidade pessoal para contribuir para a sociedade.
(Já cá volto, agora tenho de ir trabalhar umas horinhas)
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